Uma história que tocou num imaginário dos que cresceram nos anos 1980 - a fuga dos “manos” Cavaco. Deu capa dos jornais, medo das pessoas nas ruas e abertura de noticiários. O Algarve nas notícias pela lendária criminalidade de um gangue. E é no mesmo Algarve, por onde fugia Faustino Cavaco e o seu “sócio”, o Doutor, que o DN encontra um aparato considerável. Estamos num local isolado, mesmo à saída de Loulé, um lagar no Zambujal, em Alte, o“plateau” de O Americano tem escala de grande produção - prepara-se a rodagem de uma das cenas chave da série: a possível captura dos fugitivos. Na altura, havia ainda a possibilidade de haver uma versão para o cinema e é uma pena que não tenha havido luz verde para isso - quem vê a série percebe que a respiração convoca um timing de ficção cinematográfica, como um thriller de autor. E esse autor é Ivo M. Ferreira, cineasta de Cartas da Guerra, que começa por nos contar que a experiência é desgastante, como que a fazer um filme gigante com uma duração de rodagem escassa: “a memória que eu tenho desta história era quando estava a vir de férias com os meus avós para o Algarve. Depois de ler o livro do próprio Faustino Cavaco fiquei muito fascinado com esta história de um homem que perde o medo de tudo quando perde o filho à nascença. Uma história passada naquele período pós PREC, no Cavaquistão, já para não falar que a personagem também se chamava Cavaco.”.Ao lado de Ivo, numa tenda perto do monitor, nesse décor que espera um helicóptero com a polícia e a GNR a perseguir Faustino, está Ana Pinhão Moura, a produtora do projeto, uma mulher que anda de um lado para o outro e que confessa que Ivo está a filmar com uma linguagem o mais possível próximo do cinema: “trata-se de uma mistura que só beneficia. Há aqui uma contingência: toda esta equipa é de cinema e eu já brinquei com os eletricistas, maquinistas e com o diretor de fotografia: vocês estão habituados a filmar com o Manoel de Oliveira mas, de repente, temos uma série de cenas para filmar por dia e com tiros e explosões! Confesso que, ao princípio, cheguei a temer o pior com todo este ritmo, mas a verdade é que está tudo a correr muito bem”..Jani Zaho, uma visita na folga.No dia da visita, sente-se realmente o cuidado em cada sequência. Ao nosso lado, a protagonista Jani Zaho, já depois de ter estado em destaque no último Aquaman, de James Wan, observa na sombra Ivo a combinar com o diretor de fotografia João Ribeiro, mais uma sequência para relatar a emboscada final. Ela hoje não filma mas ainda está com o cabelo louro que a personagem tem e está particularmente curiosa com todo o aparato, sendo que ao mesmo tempo está a explicar ao pequeno filho (que olha para o pai, Ivo, o realizador, com um sorriso malandro) o que se está a passar..Foto de Ana Paganini..Faustino, uma presença no plateau.Olhamos para o lado enquanto se pede silêncio e, ao sol, Faustino Cavaco, ele próprio, olha com devoção para a cena. Já há muitos anos em liberdade, foi o consultor da série que se baseia no livro escrito por si. Sente-se, pressente-se que está com um fascínio especial em ver-se retratado numa série onde não é muito mais do que um mero vilão. Acreditamos que deva estar a viver um rol de emoções novas, ele que agora é proprietário de um café, mesmo ao lado de onde se filma.O ator que o interpreta, João Estima, não quis emular aquele lado mais azeiteiro da foto de presidiário que o semanário Tal & Qual celebrizava. Digamos que lhe dá quase uma qualidade de galã..As memórias de um caso vivo.Quanto ainda ao alarido deste caso real, Ana Pinhão Moura diz que no Algarve a fama do Americano ainda está viva: “chegámos cá e só encontrámos pessoas que foram primas de alguém que o escondeu, levou um tiro ou que foi assaltado por ele! Todos têm histórias para contar muitas delas inventadas. O Faustino conta que no seu café muita gente lhe diz que sem o conhecer começa a inventar que era amigo do ‘tal’ Cavaco dos anos 80… Claro, ele nunca se desmente, nunca de descose.” Há qualquer coisa de mítico nisto. O Faustino tornou-se num anti-herói, mesmo não esquecendo que no meio de tudo isto matou polícias e guardas prisionais. Curiosamente, ao princípio ele não reagiu muito bem à ideia da série, sobretudo porque ainda tem uma neta menor…”.Antes da anunciada polémica com as FP-25 Abril....Numa paragem para uma curta refeição, Ivo tem ainda tempo para nos contar que Faustino é uma personagem à prova dos lugares comuns: “ele é anti cliché no que toca à ideia do criminoso. Começou a sua vida de assaltante ainda miúdo e como homem de família era exemplar, nunca foi violento.” Já a seguir, em 2025, nos cinemas Ivo tem para lançar Projeto Global, um épico sobre as FP 25 de abril, obra que segundo ele não vai agradar nem à esquerda nem à direita. Esta sua insistência numa história verdadeira é uma das hipóteses portuguesas para a competição do Festival de Berlim do próximo ano…