Muitas ideias e resiliência nas livrarias de Lisboa
A pé, ao telefone ou de táxi. É assim que três livrarias históricas da capital tentam colmatar as limitações da venda de livros trazidas pelo segundo confinamento. Além disso, há muita esperança de que a situação mude em breve, pelo menos um pouco.
Numa esquina em Campo de Ourique há uma "espécie" de instituição de portas abertas para o Jardim Teófilo Braga - mais conhecido como o da Parada. Desde fevereiro de 1970 que assim acontece, até que nos últimos dois meses uma pandemia as fechou. É o que acontece por estes dias difíceis, como nunca antes, na livraria Ler. Fundada por Luís Alves Dias há 51 anos no bairro a que apelidou de Quartier Latin de Lisboa, e que agora é perpetuada pelo filho homónimo, a livraria tem tentado resistir à mossa que a covid-19 lhe tem causado. Sobretudo nas últimas semanas - que no próximo dia 16 de março se transformam em dois meses -, que vieram com um novo estado de emergência e a proibição de as livrarias venderem... livros.
Semanas mais tarde, por intervenção do Presidente da República, as regras mudaram um pouco e as livrarias que também vendem jornais e revistas puderam abrir portas com todas as regras de higiene e segurança - e lotação limitada. Isso permitiu que algumas abrissem portas, como são os exemplos expostos umas linhas mais à frente. Mas não foi o caso da Ler.
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Na livraria Ler Luís Dias recebe as encomendas de manhã e à tarde faz uma ronda pelas ruas de Campo de Ourique para entregar os livros à porta dos clientes
De portas fechadas e com lamento pela situação, não baixaram os braços nem ficaram parados. Todos os dias da semana Luís Dias ou um dos seus dois empregados fazem entregas à porta de casa dos clientes. As encomendas são feitas de manhã por telefone ou pelo Facebook, da parte da tarde tem lugar a ronda de entregas - agora não só pelas ruas de traçado ortogonal de Campo de Ourique mas também pelas vizinhas Lapa e Campolide.
Quando o DN visitou a livraria, sem gente, o dono acabava de chegar de uma dessas voltas. Disse-nos que naquele dia correu bem: 12 livros vendidos. Números dos novos tempos, muito diferentes daqueles que existiam antes de pandemia quando, em média, vendiam cem livros por dia, conta.
O discurso de esperança de Luís Silva vai todo para as medidas de desconfinamento que se espera que o governo anuncie por estes dias. "Pelo menos que nos deixem vender ao postigo", diz com esperança que disfarça, por momentos, a incompreensão pelas portas fechadas quando, a menos de um quarteirão, existe uma livraria de um grande grupo de retalho que está aberta pelos jornais e revistas que vende lá dentro.
"Há uma certa confusão e há que reconhecer que andamos todos confusos", diz o dono da Ler. Já a realidade dos números é mais esclarecida e dura: "As economias que tínhamos de 2020 acabaram. Ainda não quero pensar nas linhas de apoio, a minha esperança é que em breve nos deixem vender à porta ou nos deixem ter alguns clientes na loja", comenta.
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A histórica do Chiado
A uns quilómetros de Campo de Ourique, a histórica Bertrand vive uma situação bem diferente. Os jornais e revistas que vendem no seu interior abrem portas à entrada de clientes, "respeitando todas as normas de segurança", indica Sónia Lascasas, diretora comercial e de marketing das livrarias Bertrand. Por lá os corredores estão mais espaçados, as ilhas de livros ainda mais arrumadas do que o normal e há dispositivos de álcool-gel em todas as salas da mais antiga livraria do país (desde 1732). São permitidos até 25 clientes em simultâneo na loja. Um luxo comparado com outras livrarias com menos espaço.

Na Bertrand do Chiado os corredores estão despidos e em todas as salas há álcool gel para desinfectar as mãos.
Das mais de 50 lojas com o nome Bertrand, e excluída outra livraria histórica na Avenida de Roma que está a ser remodelada, há 20 livrarias de porta aberta desde 16 de fevereiro. Sónia Lascasas explicou ao DN que a situação levou o grupo Bertrand a procurar novas ideias. Para além dos serviços já tidos como normais de compras online e entrega na loja ou ao domicílio, foi criada a possibilidade de reservar livros sem pagar para depois os clientes os irem levantar - e pagar, claro - nas lojas. O que evita "estar tempo dentro de livraria". Mais recentemente, "e a pensar nos clientes mais infoexcluídos", foi criado um serviço telefónico para vendas e aconselhamento de livros já publicados e das poucas novidades editoriais que tem surgido. Sónia Lascasas diz que se está a viver um tempo diferente, de adaptação, e com natural impacto nas vendas.
Também as editoras sustêm a respiração e têm sido parcas em novos livros . Apontam estratégias para o fim do segundo período de confinamento para os, certamente, mais que muitos lançamentos.

A Bertrand do Chiado tem as portas abertas desde 16 de fevereiro porque vende jornais e revistas.
A livraria sempre aberta
José Rodrigues espera-nos atrás do balcão, depois de atender uma cliente habitual, ou não fosse a livraria Barata, fundada em 1957, sobretudo uma livraria de bairro, ali das Avenidas Novas. O gerente conta-nos que a livraria tem resistido à pandemia "num negócio já de si de sobrevivência". Por causa dos jornais e revistas e de alguns artigos de papelaria perto da entrada, nunca fecharam as portas. Foi, inclusive, criado um pequeno corredor para o acesso à estante das muitas revistas nacionais e internacionais que ali se vendem. "Temos já um ano com esta experiência que nos afeta a todos", conta. Os livros, esses, tiveram de esperar por 16 de fevereiro para voltarem a ser comprados - com todas as normas de segurança, recipientes de álcool-gel e permissão de dez clientes em simultâneo nos 500 metros quadrados da loja.

José Rodrigues, gerente da livraria Barata, na Avenida de Roma pede maior reflexão para um setor que "já sobrevivia antes da pandemia".
"Todas as semanas procuramos novas soluções. E temos de ser simultaneamente criativos e pragmáticos no equilíbrio entre a nossa capacidade física e virtual", explica José Rodrigues.
E, por isso, quem entra agora na Barata vê, no fundo da loja, um canto com produtos e serviços em parceria com a multinacional francesa Fnac. Instrumentos musicais, álbuns em vinil, jogos e brinquedos - cuja venda neste confinamento está proibida. Numa parceria a funcionar a meio-gás desde dezembro. Outra das ideias, que perdura desde os primeiros dias do primeiro estado de emergência, é a parceria com a CoopTáxis, na qual os taxistas param à porta da livraria para transportar os livros, encomendados previamente por e-mail ou telefone, até casa dos clientes. "Um processo analógico com eficiência digital", diz a sorrir.
Antes de nos despedirmos, sublinha que este estranho momento vivido pelo setor devia ter uma reflexão. "Era interessante que os decisores ajudassem a corrigir questões estruturais. A nossa área de atividade tem problemas crónicos e a pandemia permitiu-nos olhar para esses problemas."

Livraria Barata manteve sempre as portas abertas graças às revistas e jornais, nacionais e internacionais, que vende perto da entrada.
Com mais ou menos criatividade, e independentemente da situação de cada um, os livreiros estão de olhos postos, e esperançosos, no plano de desconfinamento que o governo de António Costa deverá apresentar nesta quinta-feira.
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