A Biblioteca da Faculdade de Letras vai receber, nesta quarta-feira, 5 de novembro, vários espólios relacionados com Angola, por exemplo, do BNU/CGD e do Instituto de Investigação Científica Tropical, mas também de privados. Pode explicar o que são estas doações em geral, e nomeadamente as que são pessoais?O espólio da Caixa Geral de Depósitos, do antigo Banco Nacional Ultramarino, já se encontra aqui nas nossas instalações, bem como já parte significativa do espólio do antigo IICT. Verdadeiramente recente é a doação do espólio de José Redinha. E porque a Faculdade de Letras não quer encerrar-se em si mesma e dispor dos tesouros que tem apenas para os investigadores, achámos por bem convidar um elemento da sociedade civil, o engenheiro Daniel Nunes, que é um bibliófilo de altíssima qualidade e que tem efetivamente um espólio de muitas dezenas de milhares de livros. Pareceu-nos uma ideia feliz juntar os espólios que temos aqui na Biblioteca da Faculdade com um espólio de alguém que não é da Faculdade, mas que tem assim uma oportunidade extraordinária para mostrar algumas das suas obras mais importantes.Além disso, há a doação de João van Zeller, também uma impressionante coleção de bibliografia sobre Angola?Ora bem, o que é muito interessante é que nós temos por hábito assinar um protocolo sobretudo para responsabilidade futura da Biblioteca e para nos comprometermos a que os espólios não ficam, evidentemente, a acumular pó nos depósitos da Biblioteca, o que seria absolutamente inaceitável. A verdade é que não foi possível fazermos essa celebração com a doação da CGD, mas, em certo sentido, felizmente, porque o que não foi feito naquele momento pode ser agora feito reunindo outros espólios e outros momentos de celebração àquilo que era a celebração da Caixa-Geral de Depósitos. Justamente, a doação do Dr. João van Zeller, a chamada “Biblioteca Angolana”, insere-se nestas recentes doações, tão recente que ainda nem temos cá as obras, mas o protocolo vai ser assinado. E a preocupação do Dr. João van Zeller, muito viva, foi a de que este espólio não apenas permitisse um estudo mais rigoroso sobre as ex-colónias portuguesas - hoje países independentes, mas eu creio que a nossa vocação é sempre a de dialogar com eles -, como sublinhar o seu interesse pessoal em contribuir para o desenvolvimento das ciências sociais em Angola. E daí o protocolo que permitirá, mediante a digitalização dos livros, torná-los acessíveis aos alunos angolanos, mas mais do que isso, abrir as portas para que alunos angolanos venham cá estudar, tirar o doutoramento, ou algum pós-doutoramento.Pelo que sei, na cerimónia, além da inauguração de uma exposição que permite ver fragmentos de todos estes espólios, vai haver uma assinatura de um protocolo com a reitora da Universidade Católica de Luanda, já a pensar nesse aspeto da cooperação.Sim. O início de uma cooperação cheia de boa vontade, de interesse, e se quiser, de desejo de conhecimento académico.Disse que as antigas colónias africanas são hoje países independentes, aliás, a maior parte fez agora 50 anos de independência, a de Angola está quase a celebrar os 50 anos, mas que há muito saber científico relevante feito no tempo colonial que interessa conhecer. Falou há pouco do etnólogo José Redinha. Qual o seu contributo para o conhecimento da realidade de Angola?É um contributo, eu diria, decisivo e único. A minha especialidade não é a de estudos africanos. Existe um núcleo de estudos africanos aqui na faculdade com um número considerável de alunos. Embora não sendo a minha especialidade, só um tolo não perceberia à primeira vista o valor extraordinário deste espólio. Como etnólogo julgo que José Redinha ascende aos píncaros da importância. Temos obras originais prontas para serem publicadas, temos desenhos extraordinários, fotografias, caracterizações de rituais, de ambientes, ou seja, trata-se em síntese de uma coisa única e o nosso interesse é sempre o de valorizar e dar a conhecer aquilo que, por felicidade, diria eu, tivemos a responsabilidade de aceitar e de manter e de preservar. Quem serão os participantes na cerimónia?Estará presente, como orador, o presidente da Caixa Geral de Depósitos, o Dr. Paulo Macedo. Também o filho de José Redinha, João Redinha. Estará Eugénia Rodrigues , ex-investigadora do IICT, entretanto extinto, e agora investigadora da FLUL. Estará o próprio Daniel Nunes e também o Dr. João van Zeller. Isto passar-se-á na presença do reitor da Universidade de Lisboa e do diretor da Faculdade de Letras. Espero, e tenho a certeza, que na presença de alguns embaixadores de países de língua portuguesa e de outras altas personalidades. O que eu gostaria de salientar, se me permite, é o extraordinário interesse, dada a qualidade dos espólios, para a faculdade e para os estudos ultramarinos. Mas sobretudo para esta coisa que me parece muito para além dos acidentes políticos, que é o olhar generoso de quem quer conhecer e colaborar. Devo acrescentar que estas doações vêm somar-se a outras doações que foram já celebradas, ou que ainda irão ser celebradas, também na área dos estudos ultramarinos. Por exemplo, Isabel Castro Henriques e Alfredo Margarido, Horácio Alves Nogueira, Manuel Ferreira e Orlanda Amarilis, e ainda espólios muito significativos como os de Michel Laban e René Pélissier. Enfim, tantos outros, que , embora não querendo, estarei porventura a cometer injustiças para com outros espólios, mas que também já cá estão e aos quais estes vêm juntar-se. .João van Zeller: “Angola crescia 8, 9, 10% ao ano. Os americanos deixaram-se levar por isso”