Jack Nicholson e Faye Dunaway em Chinatown, filme marcante na produção de 1974.
Jack Nicholson e Faye Dunaway em Chinatown, filme marcante na produção de 1974.

Hollywood ao espelho

The Sugarland Express surgiu num tempo de muitos cruzamentos temáticos e narrativos no interior do cinema americano - nostalgia e angústia eram, afinal, faces da mesma moeda.
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A 2 de abril de 1974, três dias depois da estreia de The Sugarland Express, teve lugar a 46ª cerimónia dos Óscares, referente à produção de 1973. O grande vencedor da noite, com sete estatuetas douradas, incluindo a de melhor filme, foi A Golpada, de George Roy Hill, com a dupla Paul Newman/Robert Redford - explorando com ironia o modelo tradicional do “grande golpe”, dir-se-ia a consagração de um modelo de espetáculo, certamente competente e sedutor, mas limitado a variações mais ou menos previsíveis.

Talvez faça sentido dizer que o ano de 1974, recheado de muitos contrastes, acentuou e transfigurou tal panorama. Assim, os mais promovidos trunfos de espetáculo tinham tanto de exuberância como de espalhafato, para não dizer mediocridade. O modelo da moda era o “filme-catástrofe”, gerando variações pouco imaginativas como A Torre do Inferno, de John Guillermin, e Terramoto, de Mark Robson. Sintoma esclarecedor: eram também produções em que encontravam “refúgio” algumas estrelas a perder a aura do passado - Fred Astaire e Robert Wagner no primeiro exemplo; Charlton Heston, Ava Gardner e Lorne Greene no segundo.

Neste contexto, um cineasta fazia a “ponte” entre passado e presente, tradição e experimentação. Era ele Francis Ford Coppola, e com dois filmes fabulosos: O Padrinho - Parte II, que viria a ser o vencedor dos Óscares atribuídos no ano seguinte, e O Vigilante, com Gene Hackman, prodigiosa, angustiada e angustiante “antecipação” dos modernos sistemas de controlo dos cidadãos que, ainda em 1974, arrebatou a Palma de Ouro em Cannes (a par do prémio de argumento para The Sugarland Express).

Hollywood existia, assim, como um mapa instável em que, apesar de tudo, a nostalgia dos clássicos persistia - foi também em 1974 que a Metro Goldwyn Mayer lançou That’s Entertainment!, uma compilação de cenas de musicais do passado, sobretudo das décadas de 1940/50. Ao mesmo tempo, alguns cineastas que se tinham revelado ao longo dos anos 60 procuravam novos caminhos, ou melhor, formas de renovação narrativa que não dispensavam alguma fidelidade aos fulgores do classicismo. Era o caso de Martin Scorsese, com o melodrama Alice Já Não Mora Aqui, protagonizado por Ellen Burstyn, ou Bob Fosse, revisitando a vocação crítica do “stand-up” através da figura lendária de Lenny Bruce, “renascido” numa das composições mais ricas e complexas de toda a carreira de Dustin Hoffman.

Neste contexto, The Sugarland Express “rimava” com os filmes de Coppola, Scorsese ou Fosse, todos eles capazes de desafiar os lugares-comuns moralistas que se colavam ao “Sonho Americano”. Paradoxalmente ou não, Roman Polanski, embora vindo de fora (de origem polaca, trabalhava em Hollywood desde 1967, com Por Favor, Não me Morda o Pescoço), conseguiu isso mesmo através de Chinatown, com Jack Nicholson e Faye Dunaway enredados numa teia de silêncios e traumas que remetem para o espírito moral do cinema “noir” com Humphrey Bogart e Lauren Bacall. Dito de outro modo: espelhando o passado, tateando o futuro, o cinema americano vivia num labirinto de temas e narrativas que, em 1975, o impacto do Tubarão de Spielberg viria abalar ainda mais. 

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