Um pouco de Buñuel, por favor! É uma das pistas para se entrar neste universo surrealista e de maldade do grego Yorgos Lanthimos. Kinds of Kindness foi um dos filmes que criou divisão no Festival de Cannes. E percebe-se: não é um novo Pobres Criaturas, a obra que deu ao cineasta o Leão de Ouro de Veneza. Aliás, é até um ato de revolta perante a anterior proposta, uma espécie de lado B dessa fantasia, mais cruel, mais incómodo. Uma experiência de zona de desconforto narrativo, pronta a incomodar (e a surpreender) quem tinha entrado com sorrisos no conto de Frankenstein feminino que agradou ao mainstream (com Óscar para Emma Stone, inclusive). Curiosamente, convém lembrar, esta produção foi filmada de seguida, em regime de bónus para a Disney (agora percebe-se que talvez tenha sido uma contrapartida para o cineasta, coisas do sistema de estúdio americano…)..E são três histórias, três filmes. No primeiro a tragédia de um homem que em Los Angeles tenta assegurar o controlo da sua vida, mesmo quando percebe que é manipulado pelo seu patrão e amante. Depois, o estranho caso de uma mulher que regressa a casa após ter desaparecido e o seu marido não a reconhece. No último conto, um homem e uma mulher tentam encontrar alguém com um dom sobrenatural que pode vir a ser um líder espiritual de uma estranha seita sexual. Aliás, na estranheza está o alimento de uma crónica cínica e com um divertido niilismo social..Nasce uma visão de dois gregos (no argumento está também o nome de Efthimis Filippou) de uma América sem sentido e de particular requinte de loucura, cujas criaturas perdem-se na ditadura do desejo..A ideia de Lanthimos é descartar pontos de lógica e criar um ambiente negro de humor grotesco, com muita violência e a perversão mais sexual que a Disney, através da Searchlight, podia encomendar... Sem medos, é um cineasta que em pleno palco de Hollywood assume uma coragem de agitar na construção da perversão sexual. Este Histórias de Bondade, se fosse falado em grego, era logo comparado ao genial Canino, o seu primeiro filme..Este desconcertante festival de bizarria já está lançado para a temporada dos prémios, em especial depois do justíssimo prémio de melhor ator para Jesse Plemons em Cannes. É nesta altura um dos atores americanos mais excitantes, alguém capaz de misturar perigo e ternura de forma burlesca. Trata-se do primeiro candidato evidente a poder vir a ser nomeado para melhor interpretação nos Óscares de 2025. Mas também é impossível não ficar abalado pelo prazer de Emma Stone nestas suas quatro mulheres em três histórias. Um prazer que passa pela liberdade com o que o seu corpo se entrega à demência aqui proposta. A atriz duplamente oscarizada é realmente uma parceira no crime com Lanthimos - os dois estão neste momento a preparar Bugonia, também com o inevitável Jesse Plemons…