Ganso. “Os artistas começaram a perceber o potencial do TikTok”

Esgotaram três dias no B.leza em Lisboa. Como é que se sentem em relação a esse feito?.João Sala (JS): Incrível! Obviamente, o objetivo de dar um concerto é sempre esgotar, portanto, estamos muito contentes de o ter conseguido três vezes..Relativamente ao vosso disco mais recente, Vice Versa, o que o diferencia de outros?.Gonçalo Bicudo: Depois do nosso último álbum, Não Tarda (2019), começámos logo a fazer músicas novas e queríamos acelerar um bocadinho o tipo de música que andávamos a fazer. O Não Tarda é um disco mais suave e lento e queríamos fazer coisas mais rápidas..E como é o vosso processo criativo?.Gonçalo Bicudo (GB): Fazemos músicas primeiro e depois vêm as letras..E como escolheram as músicas que entraram no disco?.GB: Decidimos as coisas de uma maneira mais ou menos democrática para ver o que está bom e o que não está. Havia coisas que simplesmente não soavam bem, tinham potencial, mas não soavam tão bem como as outras que foram escolhidas. Essa foram colocadas de parte, “no lixo”, como nós gostamos de dizer. Mas talvez, um dia, possam vir a ser qualquer coisa... talvez não. Tudo depende de se alguém tem alguma ideia que possa tornar aquilo interessante. Miguel Barreira (MB): Quando uma ideia não está a reunir muito entusiasmo, consenso e o João [Sala] começa a não ter ideias para escrever começam logo a haver rumores de lixo. GB: Todas as músicas podem ir para o lixo. Estão todas em risco. MB: Um exemplo disso é a música Papel de Jornal deste disco. GB: Foi ressuscitada. O Sala escreveu a canção toda por cima daquele instrumental do lixo e reciclou a música ..Ou seja esse “lixo” pode vir a ser reciclado um dia?.Diogo Horse Rodrigues (DHR): Pode, mas o mais provável é que não. JS: O lixo não está vazio neste momento. DHR: É mais entusiasmante tentar pôr mais músicas no lixo do que ir lá buscar coisas. GB: As músicas só saem do lixo quando há um rasgo de inspiração que injete vida naquilo outra vez. Senão, por muito mais que tentemos, não dá. MB: Às vezes vamos ao lixo e roubamos uma parte de uma música. Fazemos uma música inteira e só uma parte é que é boa. Então, nós pegamos noutra música que está no lixo e vamos roubar uma parte boa ao lixo..Quantas músicas estão no “lixo”?.JS: Quatro ou cinco, mas não estou com grande entusiasmo. Já não pensava no lixo há algum tempo. GB: Aparentemente estas vão ser purgadas..São cinco membros [contando com o teclista Luís Ricciardi, que esteve ausente], durante o processo criativo discordam muito uns dos outros?.Todos: Sim, muito. GB: Mas já conseguimos chegar a um ponto em que separamos bem as águas entre o trabalho criativo e a nossa amizade. Só conseguimos fazer música boa se alguém de facto disser: “Isto aqui não está bom.” JS: Queremos todos o mesmo objetivo. E se há uma pessoa que acha que há ali uma coisa que não deve ir para o lixo, essa pessoa deve pensar: vamos tentar trabalhar melhor isto para mostrar aos outros que afinal se pode mudar. Às vezes somos brutos uns com os outros. GB: Mas funciona bem. Agora tentamos sempre que as ideias funcionem até ao máximo. Se alguém tiver uma ideia de que isto pode funcionar, tentamos todos. Mas se continuar a ser lixo, fica no lixo. DHR: Há uma música do álbum mais recente, Botas a Brilhar, sobre a qual estivemos dois dias seguidos a discordar. Metade queria trabalhar naquilo e a outra metade não. A metade que não queria acabou por estar dois dias a trabalhar, mas não chegaram a chegar a lado nenhum. Foi uma música que esteve com os pés no lixo. No entanto, lá encontrámos um consenso. JS: Apesar de tudo, os nossos gostos estão muito alinhados e, a maior parte das vezes, o que acontece é que gostamos de tudo o que está a ser feito..E qual é que foi o maior desafio da criação deste álbum? JS: Se calhar foi organizar a ida a França, onde gravámos este álbum. E também tentámos elevar um bocado a fasquia em relação ao que já tínhamos feito, e fomos mais exigentes em tudo..Este disco tem uma versão em vinil. É a primeira vez que o fazem. Porquê agora? MB: Na verdade ainda não o tínhamos conseguido fazer porque é algo que requer um grande investimento e é um produto caro de produzir. Já tínhamos lançado um vinil, mas de 7 polegadas e foram só 50 cópias. Era um daqueles singles pequeninos. Tal como nós estamos a crescer, a nossa editora também está a evoluir e quis connosco dar esse passo de termos um vinil de longa duração. Estamos muito contentes. Há muito que o queríamos fazer. No fundo é o nosso disco num formato grande, com a capa em grande..Ganharam muita atenção nas redes sociais, principalmente no TikTok. O que é que vocês acham desta “nova” forma de se conhecer bandas e música ? GB: Acho que é muito bom, porque é o processo da era em que vivemos. É bom porque é uma maneira de a música independente também poder ganhar atração. No Tiktok é muito aleatório, porque aquilo acontece sem uma grande razão. Mas é sempre bom quando as coisas nos permitem crescer e chegar, sobretudo, a mais pessoas. MB: Sim, é um bocado o povo a escolher a música que quer ouvir. Há imensos exemplos de bandas pequenas que conseguem ter êxitos porque a música virou uma tendência no TikTok. Para uma banda da nossa dimensão, por exemplo, não temos de enterrar milhares de euros em promoção, porque houve alguém que se lembrou de fazer uma compilação de fotografias no TikTok com a nossa música e ficou um trend. O nosso Spotify disparou por causa disso e nós não tivemos de fazer nada. JS: Nós próprios não tivemos de forçar uma tendência com a nossa música..Há alguns artistas que fazem isso… JS: Pois há e é uma estratégia que resulta. MB: Os artistas começaram a perceber o potencial da plataforma. JS: Mas é preciso ter ideias, e disposição, contudo, não controlas o algoritmo. Aliás, a pessoa que fez a compilação de fotografias, se calhar, não tinha o objetivo de se tornar viral. A pessoa que fez o vídeo gostou da música, decidiu partilhar e, pronto, a partir daí aquilo aconteceu sozinho. MB: Acho que acontece sempre sozinho, por mais que tu te dês ao trabalho de editar vídeos para o TikTok, a explicar coisas da música e a fazer dancinhas que podem nem sequer resultar. O algoritmo é aleatório. Neste momento, estão a trabalhar em mais música nova? GB: Vamos começar agora. Primeiro vamos fechar este capítulo da primeira digressão do álbum Vice Versa e, depois, queremos começar a fazer música nova..Já têm alguma ideia? GB: Ainda não temos. Só temos ideias antigas, temos coisas antigas que não entraram no Vice Versa..O próximo passo são atuações em local maiores? JS: O objetivo, nesta digressão, foi fazer concertos em clubes, mas sim, vamos tocar em sítios maiores. .Têm estado em digressão desde outubro. Houve algum momento sui generis que se tenha passado no backstage? MB: Por acaso, há uma história engraçada que tem a ver com cabides! Estávamos no backstage a fazer tempo para o concerto, em Guimarães, e havia uma barra metálica com um cabide pendurado a uns três metros de altura. Começámos a pensar se alguém tinha atirado um cabide e aquilo ficou por lá. Decidimos começar a experimentar. E, entretanto, o responsável do espaço viu que estávamos divertidos e trouxe-nos ainda mais cabides. Acertei e celebrei como se tivesse ganho uma raspadinha [risos]..E porquê a escolha do nome Ganso para a banda? JS: A resposta não é assim muito engraçada. Tínhamos de arranjar um nome para a banda e estávamos a fazer um brainstorm que nunca mais acabava. Até que às tantas finalmente surge uma palavra que cinco pessoas estão minimamente de acordo e pronto.

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