Foi Wang Suoying, desde 1991 a viver em Lisboa, e que dá aulas de Chinês no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), quem me contou entusiasmada que uma aluna, professora portuguesa já reformada, tinha ganhado um prémio e que o foi receber na China, no verão. O concurso era internacional e o desafio aos concorrentes era um texto “Eu e a China”. E não me alertava só do prémio, mas também da história de dedicação de Helena Mesquita, pois todos os sábados viajava de Gouveia a Lisboa para assistir às aulas de chinês. Mais de 600 quilómetros, contando ida e volta!Desta vez, a viagem da Beira Alta até à capital foi para um almoço de amigos com a professora Wang e o marido, o professor Lu Yanbin, e fui convidado para vir ao restaurante Dinastia Tang, no Parque das Nações, conhecer Helena Mesquita e ouvir a história da sua paixão pela língua e cultura chinesas. E, claro, pedi que descrevesse como era a aventura daqueles sábados de ir às aulas.“Todos os sábados, saía às 5.00 horas da madrugada conduzindo até à Estação Ferroviária de Nelas; estacionava o carro na estação, apanhando o comboio das 6.00 horas para Coimbra; tendo chegado a Coimbra às 7.30, mudava para o comboio das 8.00 horas e chegava a Lisboa às 10.00 horas; de seguida, apanhava o metro e o elétrico para chegar ao CCCM mesmo antes do início da aula das 11.00 horas; depois de acabar a aula às 13.00, almoçava num pequeno restaurante ali perto, estudava um pouco e depois fazia a mesma viagem de regresso para casa. Era quase meia-noite quando chegava a casa”, conta Helena Mesquita.Esta discrição de um dia de aulas está incluída no texto que foi premiado e que era suposto ser pessoal, afinal os promotores, a Associação do Povo Chinês para a Amizade com Países Estrangeiros, pediam que o tema fosse “Eu e a China”.“O que me fascina mais na China é a hospitalidade, a amabilidade do povo”, conta a antiga professora de Inglês e Português na Escola Preparatória de Gouveia. O primeiro contacto com o mundo chinês foi através de uma viagem a Macau, em 2004. “Fiquei encantada com os chineses, e comecei a ter curiosidade pelo que diziam, pelo mistério dos carateres. Pensei: quero aprender a língua e um dia voltar aqui e falar com as pessoas. Gostei tanto que ainda me passou pela cabeça, depois de conhecer uns professores portugueses que lá viviam, pedir transferência para a escola portuguesa, mas estava perto do final da carreira. Reformei-me em 2008.”Pergunto a Helena Mesquita em que ano nasceu. Quando me responde 1947, penso um pouco e digo que é do signo porco. Ri-se. Não é que eu saiba de cor a que signo chinês corresponde cada ano, mas como nasci em 1971, e o ciclo repete-se a cada 12 anos, um pequeno cálculo fez-me perceber que éramos ambos porco. Fico ainda a saber que nasceu em Moçambique e que veio estudar para Lisboa em 1965. No Curso de Filologia Germânica conheceu o marido, também de Lourenço Marques, atual Maputo, e acabaram por decidir não regressar a África. Helena não queria, porém, viver em Lisboa, e numa viagem a Ribamondego, aldeia dos avós do marido, conheceu a região da Serra da Estrela e ficou encantada. A Escola Industrial de Gouveia precisava de professores e foi assim que o casal lá se instalou, criando cinco filhos (“três raparigas e dois rapazes”, faz questão de esclarecer).Foi uma das filhas, a viver em Lisboa, que levou Helena Mesquita um dia a visitar o CCCM. “Disse-me que havia uma exposição de que eu ia gostar. Foi quando soube que havia cursos de chinês. Há tanto tempo que eu queria aprender”, recorda-se. Começou a ir às aulas em 2013, depois de ter estudado muito bem o percurso, os tais 600 quilómetros ou mais num dia. “Os primeiros carateres que aprendemos são os números. São os mais fáceis de escrever. Depois o carater para pessoa e depois os do apelido. Desde o primeiro dia aprendemos sempre sete carateres. Um por cada dia da semana. Assim, quando voltávamos para a aula seguinte, estava aprendido”, explica. É uma técnica desenvolvida pela professora Wang, autora dos manuais e que também deu aulas na Universidade de Aveiro e na Universidade Nova. “A professora Wang dava a matéria, o professor Lu depois ensinava-nos Cultura Chinesa”, acrescenta.Um dos filhos ofereceu-lhe, entretanto, uma viagem à China, onde foi em 2018. “Foi quando confirmei que estava mesmo apaixonada pela cultura chinesa. Já conseguia perguntar às pessoas na rua os sítios onde queria ir. Eu tinha aprendido a pronúncia”, sublinha. Faz depois em 2019 outra viagem, com colegas das aulas de chinês e os professores.Com a pandemia, em 2020, o CCCM optou pelas aulas online. Para a aluna que tinha de vir de Gouveia, a aventura de sábado desapareceu, mas não o gosto pela aprendizagem da língua. “A Helena foi sempre muito boa aluna. Sempre muito dedicada ao estudo”, diz a professora Wang, que assiste à conversa.Foi em 2024 que surgiu a informação sobre o concurso, do qual Helena Mesquita foi uma das vencedoras. Antes de seguirem para a cidade de Lanzhou, na província de Gansu, onde foi a cerimónia, os vencedores visitaram em Pequim o Diário do Povo, jornal que era também promotor do prémio, e houve uma apresentação. “De início fiquei um pouco inibida, pois os outros premiados estudavam há anos em universidades chinesas e uma senhora russa era casada com um chinês. Eu não era a que falava mais e melhor, mas acho que me saí bem.”No dia da entrega do prémio, “fui ao palco receber a distinção e falar um pouco da minha história. Fiquei um bocadinho apreensiva, mas tinha uma missão para cumprir”, relembra.Antes do regresso, nova paragem em Pequim. A acompanhá-la estava um neto, pela primeira vez de visita à China, e a avó teve oportunidade de mostrar os seus conhecimentos da língua quando Pedro pediu para irem ao zoo ver os pandas. “Já tínhamos ido à Cidade Proibida, mas a pé. Para o zoo fomos de metro, e conseguimos orientar-nos bem”. O texto premiado de Helena Mesquita termina assim: “Os portugueses costumam dizer ‘Aprender até morrer’, que é o que os chineses dizem ‘Viver e aprender até à velhice’. Estou decidida a continuar a aprender a língua e a cultura chinesas e, enquanto a vida não terminar, a aprendizagem não parará!”.Professora Wang põe portugueses a cantar em chinês pela quarta vez