Há poucas semanas, quando a imprensa especializada dos EUA começou a dar conta do lançamento próximo do filme Fixed (aconteceu ontem, na Netflix), todos os textos convergiam num aviso muito concreto ao leitor: “Não deixe os seus filhos ver este filme...” Como explicar semelhante aviso a propósito de um desenho animado? Para mais, protagonizado por cães, esses maravilhosos “quatro-patas” ligados a tantas maravilhas (infantis, justamente) da história da animação... Em boa verdade, a explicação é muito simples e só podemos elogiar semelhante preocupação pedagógica. A cena de abertura de Fixed não podia ser mais esclarecedora. Aí deparamos com o protagonista Bull (voz de Adam Devine) empenhado numa agitadíssima performance sexual com a perna (sic) de uma personagem humana, uma velha senhora, identificada apenas como “avó”, mais ou menos adormecida e alheada da situação... A partir daí, através de um exuberante calão, vamos sendo pormenorizadamente informados do orgulho com que Bull descreve, comenta e exibe a energia dos seus genitais. No plano romântico (?) as coisas complicam-se, já que Bull, um rafeiro sem pergaminhos aristocratas, está apaixonado pela vizinha Honey (voz de Kathryn Hahn), uma elegante fêmea da raça dos galgos afegãos... Até que, pior um pouco, Bull percebe que, à semelhança do que aconteceu com um membro do seu “gang”, a família que o acolhe se prepara para uma visita ao veterinário em que será esterilizado — no mercado brasileiro, para evitar confusões, Fixed foi mesmo lançado como O Dia da Castração. Enfim, digamos que talentos não faltam nesta produção dos estúdios Sony. A começar pela desconcertante versatilidade do universo visual do realizador Genndy Tartakovsky (americano, nascido em Moscovo, em 1970), a quem a Sony deve, além de outras proezas, a concepção e o sucesso da série de filmes Hotel Transylvania. Sem esquecer as qualidades das vozes, incluindo a de Idris Elba, interpretando Rocco, um dos amigos de Bully. Fazer desenhos animados para adultos é, afinal, uma ideia antiga que tem pontuado toda a história da animação, por vezes com resultados admiráveis — será preciso recordar Fritz the Cat (1972), o filme que Ralph Bakshi realizou a partir da BD de Robert Crumb? O certo é que acumular palavrões e obscenidades será um estratagema que poderá ter sucesso junto dos discursos “libertinos” que a atual cultura de massas promove (até mesmo no domínio político), mas não basta para fazer um filme minimamente consistente. Aliás, se é de palavrões e obscenidades que se trata, qualquer filme de Martin Scorsese sobre os circuitos mafiosos pode ajudar a perceber a diferença — em qualquer caso, recomenda-se a mesma contenção face aos espectadores infantis.