Está a chegar a 28ª edição do Queer Lisboa - a partir de amanhã, e até dia 28, no Cinema São Jorge e na Cinemateca Portuguesa. Sem esquecer que, já há alguns anos, o festival se “duplica” (com algumas diferenças de programação) no Queer Porto: a 10ª edição decorre entre 8 e 12 de outubro, com sessões nos Cinemas Batalha e Passos Manuel, e também na Casa Comum da Reitoria da Universidade do Porto..Ao longo dos anos, o festival foi-se afirmando através de uma crescente diversidade de programação, integrando também, além das secções competitivas (longas e curtas-metragens), exposições, debates e performances. Mais do que isso: propondo escolhas temáticas e narrativas capazes de estabelecer pontes de informação e reflexão com a conjuntura social e política, nacional e internacional..Isso mesmo é sublinhado por João Ferreira, diretor artístico do certame, num texto - sugestivamente intitulado “Do outro lado de cá” - que começa por situar a encruzilhada global em que acontece esta edição: “Dizer que o Queer Lisboa conhece a sua 28ª edição, neste ano de 2024, num contexto mundial particular desafiante, seria um eufemismo. A atual situação política global, e as suas consequências sociais e culturais, é um desastre há muito anunciado e um rastilho para um futuro próximo que dificilmente vislumbramos sem um manto de desesperança.”.O ceticismo desta contextualização situa o cinema queer para lá de um território meramente “temático” ou “estético”, considerando que estamos a viver um momento em que os projetos de paz mundial e defesa dos Direitos Humanos gerados após a Segunda Guerra Mundial se desvaneceram: “É certo que nestes quase 80 anos foram demasiados os conflitos e os ataques a esses mesmos Direitos Humanos, mas foram também muitas as conquistas no sentido de construir uma sociedade que acreditaríamos, no século XXI, viesse a ser mais justa, mais empática, mais solidária. Seria de esperar que tivéssemos aprendido com os nossos muitos erros históricos. Pelo contrário.” .Atualidades & memórias.O Queer Lisboa 28 apresenta uma programação que, desde logo nas secções competitivas, dá a ver as singularidades humanas e cinematográficas das sensibilidades queer. Um bom exemplo poderá ser o drama vietnamita Viet and Nam, realizado por Truong Minh Quy, uma das mais belas revelações do Festival de Cannes deste ano (na secção Un Certain Regard): a relação de dois jovens mineiros desenha um mapa de sonhos e desejos cujas ressonâncias simbólicas envolvem tanto a intimidade sexual como as convulsões históricas do próprio país..Ainda entre as longas-metragens, refiram-se os exemplos de La Pampa, do francês Antoine Chevrollier, desmontando as teias da homofobia numa pequena comunidade rural, Light Light Light, da finlandesa Inari Niemi, crónica de afetos assombrados pelo desastre de Chernobyl, ou Stress Positions, de Theda Hammel, cineasta trans norte-americana, revisitando memórias do confinamento em registo de comédia..Quanto a títulos portugueses, assinale-se a presença de Seu Nome Era Gisberta, de Sérgio Galvão Roxo (coprodução com o Brasil), e As Minhas Sensações São Tudo o Que Tenho para Oferecer, de Isadora Neves Marques, ambos na competição de curtas-metragens..Também já com lugar cativo na programação do festival, a secção Panorama apresenta três filmes com relações muito diretas com diferentes linguagens artísticas. O destaque vai para Hidden Master: The Legacy of George Platt Lynes, de Sam Shahid, sobre uma figura cuja verdadeira descoberta foi muito tardia - as fotografias de George Platt Lynes (1907-1955) são mesmo reconhecidas como importante influência na obra de Herb Ritts ou Robert Mapplethorpe. Será ainda possível redescobrir o universo musical e simbólico de Peaches, em Teaches of Peaches, de Philipp Fussenegger e Judy Landkammer, ou recordar o clássico Teorema (1968) de Pier Paolo Pasolini, através de The Visitor, releitura/reencenação de Bruce LaBruce, ele que é uma referência lendária do Novo Cinema Queer emergente na década de 1990..Há ainda uma retrospetiva, neste caso de William E. Jones (nascido na cidade de Canton, Ohio, em 1962). Eis um criador apostado em refletir as convulsões iconográficas e narrativas que determinam a nossa perceção da arte e da política, numa dinâmica capaz de ligar as sexualidades e a filosofia - os seus filmes poderão ser vistos, a partir de sábado, na Cinemateca.