As flores do mal de Midsommar
Do realizador de Hereditário, está aí um dos mais aguardados filmes de terror do ano, Midsommar - O Ritual. Já considerado cinema de "autor", quer se goste quer não, Ari Aster vai deixando a sua marca.
Foi apenas há um ano que Hereditário fez furor, com Toni Collette no meio de um diabólico retrato de família. Essa primeira longa-metragem do norte-americano Ari Aster pô-lo logo nas boas graças da crítica, tornando-o uma espécie de fenómeno instantâneo que representava a voz de um "novo" cinema de terror. É, por isso, sem nenhuma admiração que se vê o aparato de curiosidade à volta deste Midsommar - O Ritual, cuja antestreia esgotou a sala principal do Cinema São Jorge na última edição do Festival MOTELX, onde inclusivamente ganhou o Prémio do Público.
Mantendo a agulha na temática da família, desta vez Aster sai do ambiente da casa para explorar, ao ar livre, um subgénero pouco visitado: o folk-horror. No centro da história temos um jovem casal de namorados que está a atravessar uma fase delicada da relação e decide partir numa viagem com amigos até uma aldeia sueca onde decorre um festival de verão. Pela sugestão idílica, o cenário parece perfeito para sarar não só as feridas do namoro, mas também outras mais profundas nela, a protagonista Florence Pugh (de Lady Macbeth), que se encontra a recuperar da morte recente dos pais e da irmã.
A princípio, é a curiosidade antropológica dos visitantes que domina o olhar sobre essa comunidade sueca. Os seus hábitos e rituais conjugam-se com uma certa iconografia, e vão originando interpretações silenciosas que roçam tanto a desconfiança como o fascínio. Porém, à medida que a manifestação desses rituais se intensifica, em expressões muito contrastantes do espírito bucólico e solar da comunidade, o que seria uma experiência lenitiva começa a transformar-se numa agonia lenta que não se sabe de onde vem nem para onde vai...
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O referido espírito de antropólogo é precisamente o que, numa primeira linha, caracteriza a abordagem de Ari Aster. Há um interesse natural pelos detalhes específicos do folclore e tradições que fundamentam a vivência coletiva destes aldeões suecos, e isso leva o espectador a interiorizar a espessura de um clima estranho. Contudo, o estudioso Aster começa a embriagar-se com a sua própria sofisticação autoral, e Midsommar - O Ritual acaba por ser apreciado com alguma distância. Ou seja, não será tanto o envolvimento com os acontecimentos do filme que perturba, mas a imponência das imagens que se colam à retina e parecem gritar: "repare-se que ele é mesmo o Kubrick do cinema de terror!" Só que não.
É certo que não se pode deixar de reconhecer em Aster um excelente "estudante" com ganas de transformar a matéria dada num objeto soberbo, à procura de um estatuto aristocrático dentro do cinema de género. O problema é que esse desejo fica demasiado transparente e sobrepõe-se a tudo num filme que - só para dar uma imagem - funciona como uma muito bem dirigida orquestra de nuances psicológicas e notas altas de encenação, mas sem genuína fibra imersiva.
** Com interesse