Edmilson Caminha: “Infelizmente, muitos autores portugueses continuam à espera de novos leitores no Brasil”

O escritor e jornalista brasileiro Edmilson Caminha, um dos premiados na VIII Edição dos Prémios da Lusofonia, falou ao DN sobre o relançamento da obra de Carlos Drummond de Andrade, a sua relação com Portugal, e sobre a falta de uma política eficaz do livro na cooperação cultural entre Brasil e Portugal. Caminha integra o Conselho Editorial Drummond da Editora Record, faz parte da Academia Brasiliense de Letras, do PEN Clube do Brasil, da Associação Brasileira de Imprensa e do Observatório da Língua Portuguesa. As obras de autores portugueses têm tido dificuldade em entrar no mercado brasileiro. Porquê? Infelizmente, muitos autores portugueses continuam à espera de novos leitores no Brasil. Os romancistas e poetas de agora mais ainda que os do passado. Se nas universidades ainda se estudam Camões, Eça de Queiroz e Fernando Pessoa, nas escolas secundárias são raríssimos os que saibam deles. Também posso acrescentar que, em Lisboa, em Coimbra e no Porto, tenho comprado edições portuguesas de Drummond, de José Lins do Rego, de Erico Veríssimo e de Jorge Amado. Justiça se faça à televisão brasileira - à Globo, sobretudo - que apresentou excelentes adaptações de O Primo Basílio, em 1988, e de Os Maias, em 2001. Que os colégios sigam o exemplo, ao trazer de volta às salas de aula a literatura que, ontem como hoje, engrandece Portugal.Estão a ser relançadas as obras completas de Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas do Brasil do século XX que manteve relações com Portugal, através de alguns representantes da Geração da Presença e do Novo Cancioneiro; e integra o Conselho Editorial Drummond da Editora Record. Drummond continua a ter leitores e a ser traduzido? Sim. Com Machado de Assis, Jorge Amado e Guimarães Rosa, Drum- mond é dos autores brasileiros mais publicados noutros países. Além das línguas com maior amplitude literária, como o inglês, o castelhano, o francês, o italiano, o alemão, outras, não menos importantes, têm edições da prosa e, sobretudo, da poesia drummondiana. Alguns exemplos: o sueco, o dinamarquês, o flamengo, o búlgaro e o hindi. Até para o latim já foi traduzido, pelo professor Silva Bél- kior, a quem devemos a Carmina Drummondiana, em edição da Universidade de Brasília.Qual a relação de Drummond com a cultura portuguesa, os seus poetas e dramaturgos? Como toda a geração literária a que pertence. Drummond foi profundamente influenciado pela cultura portuguesa, especialmente por seus poetas e prosadores. Considere-se, por exemplo, A Máquina do Mundo, constante no livro Claro Enigma, de 1951, em que, para mim, Drummond chega à plenitude poética. O ente, quase como um arquétipo, acha-se no Canto X d’Os Lusíadas, e já inspirara, em 1949, O Aleph, conto primoroso do argentino Jorge Luis Borges, a mostrar a literatura como uma comunhão planetária de sentimentos, de ideias e de sonhos. Do Claro Enigma é, também, o admirável Sonetilho do falso Fernando Pessoa, em que o brasileiro presta a homenagem que se deve ao génio da Autopsicografia.Em que consiste o Projeto Drummond em que está a participar? Inclui inéditos? Ao voltar para a Editora Record, casa de livros que o publicou ao longo de décadas, Drummond fez-se merecedor da criação de um Conselho Editorial, a que tenho o privilégio de pertencer, para cuidar das novas edições da poesia e da prosa que nos legou. A par dessas novidades, decidiu-se submeter toda a obra a minucioso exame do texto, crónica por crónica, poema por poema, linha por linha, verso por verso, em busca de um corpus que se tenha por definitivo, sem as diferenças e variantes que podem ocorrer entre uma edição e outra. Quanto a livros inéditos, haverá, assim como que uma antologia de crónicas sobre cinema e outra de cartas, escolhidas entre as muitas que escreveu para colegas e amigos com a grandeza de Mário de Andrade, Alceu Amoroso Lima, Ribeiro Couto e Cyro dos Anjos.Escreveu um artigo acerca da história das “crónicas portuguesas” de Drummond? Em 2014, vim a saber por uma amiga que, nas décadas de 1970 e 1980, um semanário português, o Jornal do Fundão, publicava com assiduidade crónicas de Drummond. Ocorreu-me logo: já pensou se forem inéditas no Brasil?! Valerão ouro para nós! Troco mensagens por e-mail com o jornalista Fernando Paulouro. Este informou-me que Carlos Drummond de Andrade publicava uma crónica no Jornal do Fundão, em exclusivo para Portugal. Todas as semanas, recebia um envelope grande que trazia crónicas de Carlos Drummond de Andrade, com a chancela do Jornal do Brasil. Escolhia uma para a semana em curso, e guardava as duas outras, para depois. A ideia é não apenas reimprimir o já publicado, mas oferecer aos leitores edições realmente novas, das capas aos posfácios, com abrangentes cronologias histórico-literárias que situam o autor no tempo que lhe foi dado viver.

Edmilson Caminha: “Infelizmente, muitos autores portugueses continuam à espera de novos leitores no Brasil”

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