Camadas de atualidade em palco no Trindade

Ética, racismo, antissemitismo. Ideias feitas e desfeitas. Conceitos e preconceitos. Tudo é abordado em palco na peça A Médica que estreia esta quinta-feira., 12 d dezembro, no Teatro da Trindade, em Lisboa. Um texto com muitas camadas de atualidade e que toca em assuntos que geram opiniões fortes e, talvez, discussões.A peça é encenada por Ricardo Neves-Neves a partir do texto original The Doctor, uma adaptação contemporânea de Robert Icke da peça de 1912 Professor Bernhardi, de Arthur Schnitzler. A adaptação do britânico Icke levada à cena pela primeira vez em 2019 em Londres, foi avaliada com nota máxima pelos críticos de teatro do jornal inglês The Guardian, que indicaram ser uma “prescrição para a estimulação intelectual”. A peça versa sobre uma médica, Piedade Lobbo (Custódia Gallego), que é diretora e fundadora do Instituto Alma, um centro médico e de investigação de elite. Piedade recusa a entrada de um padre católico (Pedro Laginha) no quarto de uma rapariga que está a morrer devido a um aborto malfeito e autoadministrado. A médica está convencida de que a presença do padre, não-previamente autorizada pela família, provocará uma desnecessária ansiedade na jovem, que acaba por morrer..A Médica, texto de Robert Icke, encenação de Ricardo Neves-Neves.Fotografia: Leonardo Negrão.Depois da gravação da discussão entre a diretora e o padre se tornar viral nas redes sociais, Piedade Lobbo passa a ser alvo de fortes reações por parte de alguns colegas do hospital, por um crescente grupo de utilizadores das redes sociais e, por fim, por um painel televisivo constituído por ativistas de vários movimentos sociais. Cada um questiona as suas intenções ao proibir a entrada do padre, confrontando-a com as suas próprias convicções morais, éticas e religiosas, no que parece ser um julgamento público televisionado, acabando por conduzir ao seu afastamento profissional.Um dos pontos interessantes do que vemos em palco, por imposição do autor, Robert Icke, é que nem sempre o género dos atores corresponde ao género das personagens, o que causará, certamente, alguma surpresa no espectador, que poderá ir criando conceitos e preconceitos em relação a cada personagem. Na versão portuguesa, esta espécie de “provocação” do autor foi respeitada. Ricardo Neves-Neves, o encenador da representação no Trindade, explica que esta é uma peça “muito diferente das que [tem] feito”. “Mas têm um princípio coincidente: tanto este texto como muitas das comédias que tenho feito têm como ponto de partida a Tragédia ou um acontecimento trágico. Isto transforma-se num género de farol de orientação.”.Cena da peça A MédicaFotografia: Leonardo Negrão.“Já só faz sentido ter uma linguagem que diga algumas coisas às pessoas”.Em conversa com o DN, a atriz Custódia Gallego (que interpreta Piedade Lobbo na peça) indica que o fundamental no texto de A Médica “é a quantidade de temas que fazem parte da nossa vivência quotidiana em sociedade, que estão ali em discussão e são assuntos que são tão velhos, tão velhos, que por um lado é bom que continuem a ser discutidos, porque ainda não estão resolvidos”. À pergunta se os vários temas abordados na peça são trazidos para a vida do público, a atriz é perentória: “Essa é a minha expectativa em todas as peças, porque já só faz sentido ter uma linguagem que diga algumas coisas às pessoas e que as ponha a pensar. Acho que esta peça tem tudo para que ninguém saia do teatro a zeros.”Apesar de a peça se centrar na sua personagem, Custódia olha para Piedade Lobbo como um veículo para contar a história: “Aquela personagem serve para, dentro daquele ambiente específico, numa clínica de investigação de ponta, que não há em todo lado, que é uma elite, e é exatamente por causa dessas coisas todas óbvias que se pode falar das diferenças, que se pode falar de aceitação, de preconceitos e falar disso tudo.”Além dos atores já mencionados acima, fazem parte do elenco: Adriano Luz, Eduarda Arriaga, Igor Regalla, Inês Castel-Branco, José Leite, Luciana Balby, Maria José Paschoal, Rita Cabaço, Sandra Faleiro e Vera Cruz. A peça está em cena até dia 16 de fevereiro.

Camadas de atualidade em palco no Trindade

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