Roberto Burle Marx (1909-1994), expoente do modernismo brasileiro, estudou Belas Artes no Rio de Janeiro, era um homem multifacetado, mas distinguiu-se como paisagista e artista. A exposição O Lugar de Estar: O Legado de Burle Marx, que abre portas no próximo dia 27 de novembro até 5 de abril de 2026 no Centro Cultural de Belém (CCB), mostra o Burle Marx paisagista, destaca Isabela Ono, diretora do Instituto Burle Marx e uma das curadoras desta mostra, juntamente com Pablo Lafuente e Beatriz Lemos do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. “Não trazer o artista foi propositado, não trazer pinturas, esculturas. Pegámos neste trabalho coletivo, que é esta contribuição de mais de dois mil projetos. Para aqui trouxemos 100 obras, mas o instituto tem um acervo de mais de 20 mil desenhos deste formato”, diz Isabela Ono, filha de Haruyoshi Ono (1943-2017), que foi colaborador próximo de Burle Marx durante trinta anos e o grande impulsionador da preservação do seu legado. Burle Marx , cuja obra artística foi exposta em Portugal na Fundação Calouste Gulbenkian em 1973, rodeava-se de botânicos, jardineiros e arquitetos para fazer os seus projetos. “É uma produção coletiva. E trouxemos este diálogo coletivo através de vídeos, com entrevistas de algumas pessoas que trabalharam com ele, depoimentos de como era o escritório, de como eram as excursões, de como era ele como pessoa”, acrescenta a curadora. . Esta exposição esteve no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro entre janeiro e maio de 2024, e mostra mais de 20 projetos de paisagismo desenvolvidos pelo estúdio de Burle Marx. “Podemos pensar que é uma exposição de arquitetura e espaço público, de paisagismo, pode parecer um pouco seco, mas não é, porque tem esta imaginação visual do Burle Marx artista”, sublinha o diretor artístico do museu brasileiro, Pablo Lafuente. Apesar de a exposição não se focar no trabalho artístico do paisagista, os estudos de composição, os croquis e os desenhos apresentados, alguns de projetos construídos outros não, revelam o seu valor artístico. “Ele considerava-se artista, e é um pintor maravilhoso, tem uma prática múltipla”, sublinha Lafuente. “Ser artista faz com que as plantas baixas não sejam uma planta baixa de qualquer arquiteto, olha-se para elas e vão além, têm uma capacidade plástica pictórica maravilhosa. A composição de cor, a composição de formas, que também aparecem nos jardins, manchas de plantas com uma densidade e cor específicas, essa capacidade plástica está nos jardins e está nestes desenhos, onde ele imaginava cenas de como seriam estas obras que iriam ser construídas, que são florestas com pessoas dentro”, explica Pablo Lafuente. . Burle Marx está ligado ao modernismo em cidades como Brasília e Rio de Janeiro, concebeu os jardins do Palácio Itamaraty, na capital, e o Parque do Flamengo e “orla de Copacabana”, no Rio. Na década de 1970 Burle Marx deixou a sua marca e alterou o desenho original do “calçadão”, com as ondas em pedra portuguesa inspiradas na calçada decorativa desenhada por Pinheiro Furtado (1777-1861) originalmente para a praça do Castelo de São Jorge, em Lisboa, em 1842.Mas entre os dois mil projetos paisagísticos desenvolvidos pelo estúdio do artista entre as décadas de 1930 e 1990, encontram-se também obras fora do Brasil, como os jardins da sede da UNESCO, em Paris, França e o Parque del Este, em Caracas, Venezuela. Burle Marx foi um ativista ambiental já na primeira metade do século XX, quando ainda não se falava de sustentabilidade ou de alterações climáticas. Aos 18 anos, visitou com os pais um jardim botânico em Berlim, na Alemanha, onde estavam espécies originárias do Brasil. Uma experiência que o levou a valorizar a flora nativa do seu país, a ver “a botânica como potência brasileira”, e a fazer jardins com plantas nativas, em detrimento da utilização de espécies europeias. Mais do que isso, o paisagista colecionava plantas e organizava expedições, com botânicos, jardineiros, arquitetos e artistas, e descobriu plantas não catalogadas pela ciência. Há mesmo 50 que têm o nome dele em homenagem ao seu trabalho, revela Isabela Ono. Foi assim que Burle Marx começou a ver a devastação dos ecossistemas provocada pela construção, e o levou a defender perante os poderes públicos a Mata Atlântica, a Amazónia e o Cerrado brasileiros. . A exposição O Lugar de Estar: O Legado de Burle Marx também traz estas questões para cima da mesa. “A função do museu é discutir assuntos que são fundamentais, tanto no Rio, como noutros lugares. A construção da cidade, a sustentabilidade, questões estéticas e políticas, como se criam os espaços públicos, como é que os espaços públicos são pensados para que as pessoas usufruam deles”, avança Pablo Lafuente. “Para mim era importante descobrir uma pessoa, num momento de emergência climática, cuja atividade passava pela preservação, conservação e conhecimento dos sistemas naturais do Brasil. Sobretudo pela valorização das plantas autóctones, frente aos jardins de raiz colonial e também nesse levantar da voz ainda na ditadura no Brasil, para a preservação e para os problemas que o progresso já trazia nos anos 1960 e 1970”, diz Nuria Enguita, diretora artística do MAC/CCB. A exposição desenvolve-se em cinco partes, intituladas “Construir cidade e espaço público”, “Compromisso estético e ético”, “Projeto moderno”, “Ativismo ambiental”e “Património botânico”. E em cada uma delas a obra de um artista radicado em Portugal dialoga com os estudos e desenhos de Burle Marx e da sua equipa. “Era interessante convidar seis artistas que vivem em Portugal para atualizar e repensar os ensinamentos de Burle Marx”, frisa Nuria Enguita, a quem coube a escolher os artistas convidados, juntamente com Marta Mestre, curadora do MAC/CCB. . Fernanda Fragateiro, Filipe Feijão, Mónica de Miranda, Juan Araujo, Lourdes Castro e João dos Santos Martins são os artistas presentes nesta exposição. Este último através da performance Alarve, feita propositadamente para esta mostra, que será feita mais tarde, em março, e que “explora as relações entre dança, linguagem e transmissão”, apelando à sua experiência pessoal de migração do meio rural para o urbano. No primeiro eixo da exposição, Fernanda Fragateiro evoca o Jardim das Ondas, criado para a Expo’98 em coautoria com João Gomes da Silva. “É muito interessante entender este projeto da Fernanda Fragateiro, porque também se trata da integração das artes, a ideia de que a arquitetura está em diálogo com as artes visuais. Burle Marx também trabalhou com grandes gerações de artistas, por exemplo, no projeto do Palácio Capanema, que tem toda uma integração entre escultura, botânica, paisagismo e também arquitetura. Esta ideia de um trabalho coletivo é inerente à arquitetura moderna e aqui neste projeto, Fernanda Fragateiro prolonga esse legado no contexto português, um projeto icónico, que tem a ver cm uma área de regeneração da cidade de Lisboa em 1998”, diz Marta Mestre. Já a obra de Filipe Feijão, de três partes, num arranjo novo e inédito para a exposição, “desenvolve-se a partir da ideia de cópia, de ruína, de duplicidade da própria escultura, das formas geométricas que compõem o mundo natural e o mundo cultural. Filipe Feijão foi buscar especificamente uma imagem do atelier Burle Marx, na zona periférica do Rio, onde há um elemento vegetal anexo a uma coluna de arquitetura. Essa relação entre o elemento vegetal, que já é uma ruína petrificada, e a arquitetura, ajudou-o a desenvolver uma ideia de composição que pudesse evocar tudo isso”, explica a curadora. . Na última parte da exposição podem ser vistos vinte desenhos e litografias da série Sombras à volta de um centro, de Lourdes Castro, feitas a partir de 1980. “A ideia era essa relação de duas pessoas, quase da mesma geração, e com interesses ambientais, de preservação, e de beleza do ambiente natural”. A artista portuguesa também foi ativista ambiental na Madeira, lembra Nuria Enguita. Isabel Ono diz que para o Instituto Burle Marx “era importante ter outras vozes. Colocar o nosso acervo, que é técnico, que é artístico, em contacto com outras pessoas, não só paisagistas, mas com artistas, com a sociedade de uma forma geral, entender como esse acervo pode ser inspirador, pode provocar”. E lembra que no ano passado esta exposição no museu do Rio de Janeiro também contou com a participação de seis artistas. “E foi incrível a participação deles, e aqui a gente viu o resultado também, e é uma outra cultura, o olhar da cultura portuguesa”. .Frida Orupabo e Neïl Beloufa. Programação do MAC/CCB para 2026 inclui artistas que usam "linguagem dos jovens".No ano em que faz dez anos, MAAT expõe Coleção de Arte da Fundação EDP