Bird - como reinventar o território do filme sobre a família.
Bird - como reinventar o território do filme sobre a família.

Bird. Do fundo do coração de Andrea Arnold

E eis um candidato sério à Palma de Ouro. 'Bird' é um voo fulminante dessa grande cineasta inglesa, Andrea Arnold, a mulher que rejuvenesce o cinema britânico. Um filme também tocado pela energia e graça dos rostos de Barry Keoghan e Franz Rogowski. Maravilha das maravilhas!
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O arranque de Cannes já foi marcado pelo acontecimento Furiosa - Uma Saga Mad Max e pelo caso Megalopolis, de Francis Ford Coppola, mas de Inglaterra terá chegado algo inesquecível. Algo para além das palavras e dos núcleos mais fundos da alma. Chama-se Bird e é um pequeno filme-milagre de Andrea Arnold, a realizadora de Aquário e American Honey, a obra que a consagra como a cineasta britânica mais importante desta era.

E é de Inglaterra que trás notícias, da sua Kent, mais precisamente Gravesend, junto ao Tamisa, dos bairros sociais onde há um flagelo de tráfico de droga, famílias entregues ao alcoolismo e uma alta taxa de parentalidade adolescente. O ponto de partida aqui é Bailey, uma menina de 12 anos que vive com um jovem pai e o seu irmão, mas que, ao mesmo tempo, visita a mãe alcoólica diariamente para tentar tomar conta dos seus outros irmãos, sobretudo numa altura em que chega a casa um abusador novo padrasto.

O seu refúgio é tentar fazer parte de um gangue de amigos mais velhos, mas tudo parece mudar quando conhece Bird, um misterioso homem com sotaque alemão. Aos poucos, forma uma aliança com este vagabundo que todas as noites sobe ao prédio mais alto da cidade para observar o horizonte. Bird é uma espécie de inspiração para uma ideia de liberdade.

Como um pássaro

Basta então olhar por cima e acompanhar estes pássaros. Outra alternativa, escorregar na leveza da proposta e sentirmo-nos como um pássaro. Esse é o convite do homem-pássaro de Franz Rogowski, o ator alemão da moda. É ele quem dá ao filme uma pureza de fábula que nos leva para longe.

Aconteça o que acontecer, Bird será sempre das experiências mais intensas e íntimas deste festival. Mesmo com toda a sua magia, não há truques. Há sim uma sinceridade que faz pandã com o fluxo de soltura de uma nova geração. Andrea Arnold percebeu isso e subiu à trotineta rock n’ roll de Barry Keoghan e deixou-se ir. E a boleia é magnífica, por muito que nos deixe tontos e ofegantes. Há então realmente transcendência das grandes no conto coming of age de uma menina que fica mulher nos calabouços do bairro social.

Era bom que Bird arranjasse distribuição para Portugal, sobretudo num ano em que mais uma vez aqui em Cannes temos distribuidores extremamente ativos. Quanto mais não seja por ser raro que o cinema arthouse consiga produzir um “derrama-lágrimas” tão genuíno. Mas também era lindo que o júri presidido por Greta Gerwig não se esqueça dele no palmarés...

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