Numa das sessões de Beetlejuice Beetlejuice para a indústria e imprensa, mal apareceram os créditos, ouviram-se aplausos contidos. A contenção talvez se explique por uma sala composta maioritariamente por quem não cresceu nos anos 1980, década que viu o original tornar-se num sucesso. Por muito que Tim Burton tenha feito esta sequela três décadas depois para uma nova audiência, o verdadeiro alvo é o público que cresceu com estes fantasmas. O filme, que estreia para a semana nas salas de Portugal e do mundo inteiro, é, como se esperava, um exercício conceptual entre a nostalgia e o reciclar anti-clássico. Burton fá-lo com uma galhardia quase radical e um espírito de diversão próprio de um artista que já não tem nada para provar. Tal como no título português do filme de 1988, Os Fantasmas Divertem-se, é realmente o sempre jovem Burton a divertir-se. Um Burton a filmar para o seu próprio agrado e para os fãs de ontem.Desta vez, a adolescente de Winona Ryder é uma mulher feita, viúva e mãe de uma adolescente que não acredita em fantasmas. Não acredita, mas deveria acreditar. Beetlejuice quer voltar do submundo dos mortos para casar com a sua mãe e também porque o seu date pode estar morto e atrai-la para os calabouços da morte. Em simultâneo, Monica Bellucci faz de diva morta cozida que quer reencontrar Beetlejuice. E, para nos deixar deliciosamente baralhados, Willem Dafoe surge como um ator cabotino que no purgatório é o chefe da força policial que vigia os mortos pior comportados..Mais do que no primeiro, agora Burton experimenta a mistura entre musical e animação, “salganhada” perfeita num freakshow em que a excentricidade vem com um humor gótico gentilmente saudosista e inofensivo. De alguma maneira, os sorrisos que provoca fazem mais sentido para quem o vir com olhos de memorabilia cinéfila - há referências ao giallo, o género de suspense italiano, mas também a picardias com a memória Disney (este é o delírio mais Looney Tunes em imagem real que a Warner poderia ter sonhado; em última instância, uma carta de picardia anti-disneyana). A própria personagem do demónio, interpretado por Michael Keaton, está com um humor mais seco do que nunca e funciona pela gestão da autocitação ao universo de Burton. A equipa do bota-abaixo vai corroborar que é autogestão…Que o seja, trata-se de uma arte de reciclar um capricho gótico-pop que nos ficou na pele. Recuperar esta Winona Ryder e a teatralidade de Michael Keaton é fazer-nos sentir em casa, em zona de conforto lícita e nada preguiçosa, naturalmente com um pequeno empurrão da música de Danny Elfman e dos Bee Gees. .Barbera e o YouTube.Alberto Barbera, o diretor do festival, num comunicado na revista Ciak, jurava a pés juntos ter escolhido os 21 melhores filmes do mundo para o concurso ao Leão de Ouro e é taxativo quando afirma que, mais do que a Netflix e companhia, os jovens hoje consomem mais YouTube, esse sim o principal meio de visualização desta arte. Será arte ou só mesmo indústria, boa reflexão para se ter nesta maratona feita sob um sol infernal que torra a cabeça de muitos “festivaleiros”. O diretor também fala de uma tendência para os filmes estarem maiores e nesta competição há que estar bem desperto para filmes muito exigentes com durações larguíssimas. The Brutalist, do prodígio Brady Corbet, tem mais de 200 minutos… .A noite de Sigourney.A abertura desta edição foi ainda marcada pelo Leão de Ouro de carreira atribuído a Sigourney Weaver - diva de um certo cinema eighties americano -, daqueles casos em Hollywood, que talvez nunca tenha tido justiça após os 50 anos. A atriz que ficou aclamada com a saga Alien foi e é sempre mais do que isso. No meu entender, os seus grandes papéis são em filmes de dimensão humana como Gorilas na Bruma (1988), de Michael Apted, e A Morte e a Donzela (1994), de Roman Polanski. Aos 74 anos, tem direito a um Leão tão merecido….*Em Veneza