Ironicamente, Bagagem de Mão (Netflix) é uma das poucas estreias deste Natal que procura manter alguma relação com o ambiente da quadra. Não que isso seja pertinente para um filme ser mais (ou menos) interessante. Acontece que, em tempos de acumulação de efeitos especiais pouco mais que gratuitos, estamos perante uma produção “à moda antiga”, sabendo conservar alguma crença numa galeria de personagens que se cruzam, não num mundo virtual sem dimensão dramática, mas através de emoções muito humanas, à flor da pele..Jaume Collet-Serra, o realizador espanhol que se especializou em “thrillers” protagonizados por Liam Neeson, incluindo The Commuter – O Passageiro (2017), procura, aqui, rentabilizar um velho esquema: um profissional de uma área muito específica vê a sua rotina posta em causa por um desconhecido que o obriga a cumprir uma série de tarefas que, de forma muito clara, vão contra as regras do seu labor — faz lembrar um pouco o filme de Joel Schumacher, Cabine Telefónica (2002), com Colin Farrell..Conhecemos, assim, Ethan Kopek, oficial da segurança do aeroporto de Los Angeles: Nora, a sua companheira, está grávida e, no emprego, ele tenta convencer o seu superior a garantir-lhe a promoção que julga merecer... Enquanto está no computador a inspecionar as malas dos passageiros que vão embarcar, alguém o contacta através de um hábil esquema telefónico: se ele não deixar passar um determinado passageiro com uma mala, no mínimo, suspeita, a vida de Nora está ameaçada...Convenhamos que há diversas falhas no jogo de verosimilhanças que dá vida a uma acção deste género — por vezes, parece mesmo que em Los Angeles, nos corredores de um dos mais vigiados aeroportos do mundo, podem acontecer as coisas mais delirantes sem que se manifeste o mais pequeno indício de segurança... Dito isto, há que reconhecer que Collett-Serra possui o “know how” necessário e suficiente para rentabilizar, em termos dramáticos, o diálogo de Kopek com o homem que o ameaça. E tanto mais que pode contar com dois intérpretes eficazes nesse registo: Kopek está entregue a Taron Egerton, consagrado pela composição de Elton John em Rocketman (2019), enquanto Jason Bateman, “especialista” em registos de perturbante ambiguidade moral, compõe o chantagista que actua com a frieza metódica de um cérebro implacável..Lembramo-nos desse filme mais consistente que era Águas Perigosas (2016), em que Collett-Serra dirigia Blake Lively a enfrentar um tubarão num cenário paradisíaco. Agora, com um final mais agitado que subtil, Bagagem de Mão fica-se pelo estatuto de uma curiosidade menor que, em qualquer caso, confirma a vocação artesanal de Collett-Serra para rentabilizar situações de algum perverso “suspense”.