Um concerto em que artistas, doentes, familiares e profissionais partilham momentos que ficam gravados na memória e nas aguarelas pintadas por voluntários quebra quinzenalmente a rotina do Serviço de Oncologia Médica do IPO de Lisboa..Desde 2019 que a música invade a enfermaria, através do projeto "Música em Medicina", que pretende levar a arte aos doentes internados, mas também a quem cuida deles..Ao longo deste período, apenas interrompido pela pandemia, a reposta tem sido "muito boa".."Os concertos são muito intimistas e é muito bom, porque depois ficamos um bocadinho à conversa e as pessoas partilham connosco o que sentiram, o que viveram e isso é muito gratificante, sentimos que o propósito é cumprido", disse à agência Lusa a violoncelista Sandra Martins, que está desde a primeira hora no projeto..A azáfama toma conta do serviço do Instituto Português de Oncologia (IPO) Francisco Gentil no dia do concerto, sempre à terça-feira, para receber os artistas, os desenhadores voluntários dos Urban Sketchers e os familiares que queiram assistir ao espetáculo na sala de estar da enfermaria, que é transformada num pequeno auditório que enche a cada concerto..O convite aos artistas é feito por Sandra Martins que tenta fazer uma "programação variada", mas sempre com o propósito de proporcionar "um momento diferente fora da rotina hospitalar, que é uma rotina pesada, não só para os pacientes, mas também para os profissionais de saúde".."É poder também trazer um momento de bem-estar e de partilha entre artistas, pacientes e os seus familiares, e também para os profissionais de saúde poderem parar durante dois minutinhos (...) e relaxar um bocadinho", disse a violoncelista, antes de começar a preparar a sala para receber mais um concerto, desta vez protagonizado pelo trio "Caixa de Pandora"..Poucos minutos antes de começar o concerto, ao meio-dia, começaram a chegar os doentes, acompanhados por voluntárias da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC). Uns pelo próprio pé, outros de cadeiras de rodas, de cadeirão e dois na própria cama.."Há doentes que vêm com o oxigénio ligado e a fazer os seus tratamentos", disse Maria da Graça Almeida da LPCC, que juntamente com outras voluntárias faz o levantamento dos doentes que querem assistir ao concerto..Internada há 10 dias, Maria Helena, 64 anos, foi das primeiras a chegar à "sala de espetáculo". É a terceira vez que assiste ao concerto, porque já teve alguns internamentos. .À Lusa, realçou a importância deste projeto para quem está internado: "Abstraímo-nos um bocado do resto" e "vamos conhecendo os músicos" que são diferentes em cada concerto..Dulce Dias esteve internada no Serviço de Oncologia Médica no ano passado, quando assistiu a um concerto. Esta semana regressou à enfermaria, mas apenas para ouvir os "Caixa de Pandora"..Elogiou o projeto e a sua importância para quem está internado: "É uma forma de as pessoas saírem dos quartos, conviverem com os outros doentes, e é libertador porque enquanto estamos a ouvir o concerto, esquecemos por um bocado o motivo que nos trouxe aqui"..Durante o concerto, os artistas voluntários dos Urban Sketchers desenham o concerto e o público, neste caso os doentes, que ficam curiosos para ver o resultado.."Está espetacular. A cor do cabelo está igual! Posso fotografar para ficar com uma recordação", perguntou Maria Helena a Teresa Ruivo, voluntária dos Urban Sketchers, que lhe ofereceu o desenho em aguarela..Teresa Ruivo faz a gestão dos muitos desenhadores que se voluntariam para participar no projeto: "Pôr o desenho ao serviço de uma causa é uma coisa que nos agrada a todos e claro que aderimos imediatamente"..Para a voluntária, esta iniciativa é uma forma de trazer "um bocadinho de cor, um bocado de vida e fazer com que aconteça alguma coisa": "Às vezes os dias aqui são pesados e tristes e sempre é uma animação. E acho que é fazer uma aliança com o lado saudável e normal das pessoas e não com o lado doente. É tratar as pessoas não só como doentes"..O som melodioso do trio "Caixa de Pandora", composto por Cindy Gonçalves, no violino, Sandra Martins, no violoncelo, e Rui Filipe, no piano, sensibilizou quem assistia ao concerto que ultrapassou os 30 minutos previstos, porque os músicos foram cedendo aos pedidos para tocarem "mais uma música"..No final, era visível a emoção e o contentamento no rosto de quem assistiu ao concerto, que foi descrito como libertador por Maria Helena e Dulce Dias..Já o psiquiatra João Graça, um dos impulsionadores do projeto, destacou "a comunhão" vivida neste espaço, motivada pela música que "quebra o isolamento da doença e quebra o isolamento do internamento".