"Se há aqui alguma coisa de verdadeiramente bom é a escolha dos músicos”, diz ao DN a programadora da associação Arte no Tempo, Diana Ferreira, que é a estrutura sediada em Aveiro a partir da qual nasceu o agrupamento ars ad hoc, que lança agora o seu primeiro disco, sob a chancela da neper music. O nome desta editora independente, tal como acontece com o do ensemble, que contém exclusivamente letras minúsculas, é inversamente proporcional à ambição do seu trabalho. Este disco, que é duplo, surge não como ponto de partida, mas como consequência de um percurso artístico marcado pela proximidade entre intérpretes, compositores e estruturas de criação.A escolha do repertório reflete precisamente essa lógica identitária. Como explica ao DN o violoncelista Gonçalo Lélis, que integra o ars ad hoc desde 2021, as obras gravadas são peças que “têm parte da identidade do grupo” e que foram sendo trabalhadas ao longo do tempo em concerto. É o caso de Talea, de Gérard Grisey, peça emblemática do repertório do ensemble, interpretada sem maestro - opção estética que exige um grau superlativo de preparação e comunicação interna entre os músicos -, ou de intorno al bianco, de Beat Furrer, compositor austríaco nascido na Suíça que trabalhou diretamente com o grupo na estreia portuguesa da obra.A estas juntam-se criações de compositores portugueses de diferentes gerações, como Emmanuel Nunes, referência incontornável da música contemporânea nacional, que morreu em 2012, e autores mais jovens como Pedro Berardinelli, João Moreira, Mariana Vieira ou Carlos Lopes. A música do ars ad hoc no seu primeiro álbum, homónimo, sugere vários ambientes criativos, entre sons rasgados, interrompidos, contínuos, provocadores, irreverentes, virtuosos, sofisticados ou calmos.Para Diana Ferreira o disco equilibra dois eixos fundamentais, destacando “obras que fazem mesmo parte da identidade do grupo” e música de compositores portugueses com quem a estrutura trabalha de forma próxima, assumindo também um papel ativo na circulação e consolidação desse repertório. Por este motivo, observa Diana Ferreira, “ninguém é compositor sem ouvir a sua música tocada. Isso não funciona.”Fundado em 2018, o ars ad hoc é hoje o projeto central da Arte no Tempo, associação criada em 2002, com um funcionamento assumidamente frágil do ponto de vista estrutural, mas sustentado por um forte compromisso artístico. “É uma estrutura micro”, sublinha Diana Ferreira, lembrando que durante muitos anos trabalhou “pro bono”, para além de ser a única trabalhadora com contrato permanente na Arte no Tempo . O financiamento público, sobretudo através da Direção-Geral das Artes, é insuficiente para garantir estabilidade a projetos de criação continuada, sendo o mecenato privado - como o apoio da Fundação “la Caixa”, desde 2024 - decisivo para permitir maior circulação e alcance do ensemble.Questionada sobre se a música do ars ad hoc pode confundir-se com um nicho, Diana Ferreira, que também traz consigo um longo percurso como professora, investigadora e compositora em torno da música contemporânea, rejeita a ideia de que este género musical é um território inacessível. “Qualquer obra boa, bem tocada, toca as pessoas”, observa Diana Ferreira, sublinhando a importância de levar este repertório a públicos e geografias onde raramente chega música de câmara, muito menos contemporânea. Essa missão estende-se também à formação, através de projetos como Nova Música para Novos Músicos, que envolve jovens intérpretes dos seis aos 18 anos em contacto direto com criação atual.A edição do disco surge pela mão da neper music, fundada por Tomás Quintais, com uma linha editorial assente em antologias e no cruzamento de linguagens e autores. “Não são álbuns monográficos”, explica ao DN o editor, mas projetos que colocam diferentes compositores em diálogo, permitindo mapear estilos, estéticas e gerações. O álbum do ars ad hoc encaixa assim nessa filosofia, reunindo música portuguesa e estrangeira, nomes consagrados e criadores emergentes.No caso do álbum do ars ad hoc, há ainda um outro conceito subjacente, tudo porque Tomás Quintais escolheu incluir em cada exemplar uma fotografia Polaroid que ele próprio tirou na Fundação de Serralves: “Cada disco é um objeto único e isso, para mim, torna-o especial, porque de outra forma podíamos simplesmente ouvir no YouTube ou em qualquer lado”, conclui Diana Ferreira.O ars ad hoc é composto por Ricardo Carvalho, na flauta, Horácio Ferreira, no clarinete, Matilde Loureiro e Diogo Coelho, nos violinos, Ricardo Gaspar e Francisco Lourenço, nas violetas, Gonçalo Lélis, no violoncelo, e João Casimiro de Almeida, ao piano..Ian Anderson: “Não sou muito fã de música. Em 1974, praticamente deixei de ouvir música”.Festival Cuca Monga dá visibilidade a música independente e na língua portuguesa