O ciclo Campo Aberto reuniu esta quinta-feira, na Galeria Antecâmara, em Lisboa, os arquitetos chilenos Alejandra Celedón e Pedro Alonso numa conversa que, de acordo com o promotor do colóquio e cofundador do ateliê Campo Arquitetura, Eduardo Corales, explorou os cruzamentos entre arquitetura, infraestruturas energéticas e território. Num momento em que duas centrais fotovoltaicas - Sophia e Beira - estão a ser alvo de atenção de figuras públicas, como a pianista Maria João Pires, que acusa os megaprojetos energéticos de “ecocídio” e “retrocesso”, o tema foi um dos abordados na conversa.Questionado sobre a polémica em torno dos megaprojetos Sophia e Beira, Corales é perentório: “É um tema onde a arquitetura deveria tomar palco”. Para o arquiteto, o problema não está na tecnologia, mas na forma como é implementada, tendo em conta que “muitas infraestruturas renováveis transitam rapidamente de energia verde para uma cor muito mais escura, porque a sua implantação ignora o território, o solo e as comunidades”.Corales compara o momento atual à construção das barragens portuguesas no Estado Novo, que estudou no âmbito do seu doutoramento no Iscte, e sublinha que este é um tema no qual a arquitetura deve participar, porque, destaca, “está a acontecer um ciclo que já aconteceu há 50 anos e que tem relação com a obsolescência das energias chamadas renováveis, não pela própria tecnologia como tal, mas sim pela indústria que está por trás”. Sobre as barragens, o arquiteto que mora em Portugal há nove anos, lembra que, entre os “anos 30 e 40 tiveram uma época de glória”, no período do Estado Novo, porém, “muitas das infraestruturas hidroelétricas implementadas na altura tiveram não só uma face que procurava uma eficiência em termos de produção de energia barata” para abastecer a indústria, “mas também respondia a uma tecnocracia muito pronunciada em termos de aplicar critérios técnicos sobre critérios ecológicos e de produção sobre qualquer outro”.Sobre o caso das centrais solares, alerta para a tendência de ocupar grandes extensões de terreno, defendendo que “há alternativas”, com uma proposta: “Por que não pensar a energia solar em rede, distribuída por tetos urbanos ou estufas agrícolas, em vez de concentrada num único campo que transforma por completo uma paisagem?”.Da geografia à prática, o que o Chile pode ensinar a PortugalA relação intensa entre arquitetura e território é, para Corales, uma das razões pelas quais a produção chilena ganhou projeção global. “A nossa referência visual é a paisagem. O Chile é extremamente diverso e desafiante - do deserto mais seco do mundo ao sul húmido e sísmico. Isso treina-nos a olhar para o território como matéria-prima de pensamento”.Um dos exemplos que será discutido no ciclo é o projeto Ecofolis, desenvolvido por Pedro Alonso a partir da investigação Deserta, no deserto Atacama. “Trata-se de pensar a unidade mínima de habitação no pior contexto possível. Se funciona ali, pode ser replicada noutros lugares”, explica. Corales acredita que esta experiência pode servir de inspiração em Portugal: “Um dos objetivos de Campo Aberto é justamente essa transferência de conhecimento para a comunidade local”.Sintoma de um sistema doenteEmbora o ciclo não aborde diretamente a crise da habitação, o tema é inevitável. Para Corales, a habitação “é um sintoma de um sistema doente que não dá resposta a um dos mandatos básicos da arquitetura, que é dar um teto para alguém poder viver”.Portanto, conclui o arquiteto, este “é um problema político e a arquitetura” não tem agora “as ferramentas para torcer o braço àquela vontade política e económica que apresenta o desafio de ter habitação acessível digna para todos”. “A crise não é arquitetónica, é política. Não faltam casas - faltam casas acessíveis. É uma questão de gestão e de vontade”, defende..Atelier de arquitetura cria metodologia que valoriza projetos imobiliários em 50% .Castelo Branco. Quercus alerta para impactos ambientais "graves" do projeto fotovoltaico Sophia