Ana Paula Avelar, historiadora (Universidade Aberta)
Ana Paula Avelar, historiadora (Universidade Aberta)ZANTSILVA

“Ao tocar um tema como ‘A Europa e o Oriente’, a presença de Portugal nos espaços oceânicos é nuclear”

Academia de Marinha acolhe em Lisboa a 25, 26 e 27 de novembro o simpósio internacional ‘O Mar como espaço de encontros: A Europa e o Oriente’. O DN falou com a historiadora Ana Paula Avelar.
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Quando se fala de Europa e Oriente, de mar e de encontros, é impossível não pensar nos Descobrimentos Portugueses. Quando a Academia de Marinha, da qual é vice-presidente, organiza um simpósio destes, é uma homenagem também a Vasco da Gama e aos navegadores portugueses em geral? 

Ao tocar um tema como ‘A Europa e o Oriente’, tomando como espaço congregador de encontros o mar, a presença de Portugal nos espaços oceânicos ao longo dos séculos é nuclear. Neste simpósio organizado pela Academia de Marinha propusemos como temas centrais de debate não só revisitações analíticas em torno do conceito de mares da Ásia e da arte de navegar, mas pretendemos explorar como se foram desenvolvendo as viagens da Europa para o Oriente, perscrutando para além de diferentes interações culturais e tecnológicas, impactos económicos, sociais e político-militares. Aliás, ao longo dos últimos anos e nos vários livros que temos editado, resultantes dos nossos simpósios internacionais, que anualmente são organizados intercaladamente em torno da História Marítima ou da  História do Oriente, o estudo sobre a nossa presença noutros continentes e nos diferentes oceanos têm sido objeto de um debate constante. Ainda no anterior simpósio de História Marítima, que ocorreu no ano passado e quando se assinalavam os 500 anos da morte de Vasco da Gama, analisou-se como a sua primeira viagem inaugurou a “Carreira da Índia”, abrindo um novo tempo histórico. O livro que será lançado no próximo dia 25 de novembro, no âmbito do Simpósio, oferece a um público alargado as questões que têm sido objeto de investigação, nomeadamente sobre esta temática.  

Como se pode descrever esses primeiros encontros? Houve choque, conflito, mas também a descoberta mútua?  

Tem toda a razão. Nesses primeiros encontros e ao longo de uma permanência de séculos, para além do choque, provocado pela diferença, e o conflito motivado por interesses divergentes, foi-se registando em crónicas, memórias, cartas … essa descoberta mútua do Outro, expressando olhares e sentires distintos.  Para mim, um dos textos que, logo no século XVI, melhor consubstancia esta forma de observar e transmitir o diferente, até porque expressa uma atitude que está presente em diferentes discursos historiográficos, é o Tratado de Luís de Fróis. Este autor descreve, como ele próprio assinala, de forma muito sucinta e abreviadamente algumas das contradições e diferenças entre a gente de Europa e do Japão, detalhando-as. Aconselho este livro a um leitor menos familiarizado com estes assuntos, pois será uma excelente forma de mergulhar num passado secular, onde o encontro com a novidade passou a fazer parte do nosso  quotidiano. 

Luís de Camões foi pioneiro, até por ter vivido na Ásia, a passar para a literatura esses encontros de culturas? 

Não podia estar mais de acordo. Luís de Camões continua a ser uma permanente descoberta, e a revisitação da sua obra é, na minha opinião, uma obrigação, nomeadamente para quem como eu trabalha no nosso século XVI. Conhecer um homem permite-nos descobrir um tempo de encontros e desencontros, em particular, quando este homem é Luís de Camões. Desvendar o modo como ele construiu uma memória e a expressou através das várias formas literárias que exercitou é, na minha opinião, algo de necessário num tempo em que o esquecimento, até pela rapidez dos acontecimentos, impera.  

Também do lado asiático se contou como foram esses encontros? 

Sim, é verdade.  Confrontar esses discursos ainda é uma área de estudo que exige uma atenção muito particular, até porque na sua análise a partilha e o trabalho interdisciplinar é uma contingência. Nos últimos anos assistimos a um movimento de redescoberta analítica destes registos e isso é, na minha opinião, o caminho que devemos percorrer no aprofundamento do conhecimento sobre este passado comum.  

Pessoalmente, enquanto académica, como tem abordado este tema? 

Este é exatamente o campo de estudos que tem dominado a minha investigação. Grande parte dos meus livros e artigos tocam estas temáticas e é também por isso que aguardo com grande expectativa estes três dias de trabalho intenso, pois o encontro com várias gerações de investigadores, diferentes escolas e áreas do saber, permite-me, permite-nos sempre perscrutar novos e complementares horizontes investigativos.

O Simpósio, pela diversidade de contributos, ambiciona ser também produtor de novos encontros entre a Europa e o Oriente? 

Esse é claramente um dos objetivos que pretendemos atingir e o conjunto de especialistas que estarão ao longo dos três dias no Simpósio na Academia de Marinha são, desde logo, uma garantia de que as nossas expectativas se concretizarão.  

Ana Paula Avelar, historiadora (Universidade Aberta)
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