Quando se fala de Europa e Oriente, de mar e de encontros, é impossível não pensar nos Descobrimentos Portugueses. Quando a Academia de Marinha, da qual é vice-presidente, organiza um simpósio destes, é uma homenagem também a Vasco da Gama e aos navegadores portugueses em geral? Ao tocar um tema como ‘A Europa e o Oriente’, tomando como espaço congregador de encontros o mar, a presença de Portugal nos espaços oceânicos ao longo dos séculos é nuclear. Neste simpósio organizado pela Academia de Marinha propusemos como temas centrais de debate não só revisitações analíticas em torno do conceito de mares da Ásia e da arte de navegar, mas pretendemos explorar como se foram desenvolvendo as viagens da Europa para o Oriente, perscrutando para além de diferentes interações culturais e tecnológicas, impactos económicos, sociais e político-militares. Aliás, ao longo dos últimos anos e nos vários livros que temos editado, resultantes dos nossos simpósios internacionais, que anualmente são organizados intercaladamente em torno da História Marítima ou da História do Oriente, o estudo sobre a nossa presença noutros continentes e nos diferentes oceanos têm sido objeto de um debate constante. Ainda no anterior simpósio de História Marítima, que ocorreu no ano passado e quando se assinalavam os 500 anos da morte de Vasco da Gama, analisou-se como a sua primeira viagem inaugurou a “Carreira da Índia”, abrindo um novo tempo histórico. O livro que será lançado no próximo dia 25 de novembro, no âmbito do Simpósio, oferece a um público alargado as questões que têm sido objeto de investigação, nomeadamente sobre esta temática. Como se pode descrever esses primeiros encontros? Houve choque, conflito, mas também a descoberta mútua? Tem toda a razão. Nesses primeiros encontros e ao longo de uma permanência de séculos, para além do choque, provocado pela diferença, e o conflito motivado por interesses divergentes, foi-se registando em crónicas, memórias, cartas … essa descoberta mútua do Outro, expressando olhares e sentires distintos. Para mim, um dos textos que, logo no século XVI, melhor consubstancia esta forma de observar e transmitir o diferente, até porque expressa uma atitude que está presente em diferentes discursos historiográficos, é o Tratado de Luís de Fróis. Este autor descreve, como ele próprio assinala, de forma muito sucinta e abreviadamente algumas das contradições e diferenças entre a gente de Europa e do Japão, detalhando-as. Aconselho este livro a um leitor menos familiarizado com estes assuntos, pois será uma excelente forma de mergulhar num passado secular, onde o encontro com a novidade passou a fazer parte do nosso quotidiano. Luís de Camões foi pioneiro, até por ter vivido na Ásia, a passar para a literatura esses encontros de culturas? Não podia estar mais de acordo. Luís de Camões continua a ser uma permanente descoberta, e a revisitação da sua obra é, na minha opinião, uma obrigação, nomeadamente para quem como eu trabalha no nosso século XVI. Conhecer um homem permite-nos descobrir um tempo de encontros e desencontros, em particular, quando este homem é Luís de Camões. Desvendar o modo como ele construiu uma memória e a expressou através das várias formas literárias que exercitou é, na minha opinião, algo de necessário num tempo em que o esquecimento, até pela rapidez dos acontecimentos, impera. Também do lado asiático se contou como foram esses encontros? Sim, é verdade. Confrontar esses discursos ainda é uma área de estudo que exige uma atenção muito particular, até porque na sua análise a partilha e o trabalho interdisciplinar é uma contingência. Nos últimos anos assistimos a um movimento de redescoberta analítica destes registos e isso é, na minha opinião, o caminho que devemos percorrer no aprofundamento do conhecimento sobre este passado comum. Pessoalmente, enquanto académica, como tem abordado este tema? Este é exatamente o campo de estudos que tem dominado a minha investigação. Grande parte dos meus livros e artigos tocam estas temáticas e é também por isso que aguardo com grande expectativa estes três dias de trabalho intenso, pois o encontro com várias gerações de investigadores, diferentes escolas e áreas do saber, permite-me, permite-nos sempre perscrutar novos e complementares horizontes investigativos.O Simpósio, pela diversidade de contributos, ambiciona ser também produtor de novos encontros entre a Europa e o Oriente? Esse é claramente um dos objetivos que pretendemos atingir e o conjunto de especialistas que estarão ao longo dos três dias no Simpósio na Academia de Marinha são, desde logo, uma garantia de que as nossas expectativas se concretizarão. .Mariagrazia Russo: “O mito de Vasco da Gama deve-se muito a Luís de Camões”