A bomba de Oppenheimer sobrepôs-se a Barbie, mas atenção a Pobres Criaturas
A época das passadeiras vermelhas de Hollywood está oficialmente inaugurada, com as suas doses de glamour, previsibilidade e pequenas surpresas que alimentam o jogo de antecipação dos Óscares. Nesta cerimónia que premeia o cinema e a televisão do ano anterior alinham-se as apostas que vão definir a temporada de prémios. Mas vale sempre a pena sublinhar que os Golden Globes não funcionam como um sistema de matemática pura. Recorde-se, por exemplo, as duas edições anteriores: em 2022, O Poder do Cão e West Side Story venceram os Globes, enquanto CODA – No Ritmo do Coração levou o Óscar desse ano, e em 2023, os Fabelmans e Os Espíritos de Inisherin tiveram o reconhecimento dos primeiros, enquanto, no final, a Academia premiou Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo.
Isto para dizer: não nos precipitemos. Para já, Oppenheimer, de Christopher Nolan, situa-se na frente do cortejo de filmes de que vamos ouvir falar ao longo dos próximos dois meses, e é significativo que tenha acumulado distinções nas principais categorias, incluindo realização e Melhor Drama, de entre as oito nomeações que acumulava. Já Barbie, de Greta Gerwig, a sua companheira do fenómeno de verão – Barbenheimer –, que também dominava as nomeações, levou para casa apenas o prémio da categoria inaugurada nesta cerimónia, Melhor Filme por Mérito Cinematográfico e Comercial, para além da Melhor Canção Original, que distinguiu Billie Eilish e o irmão, Finneas O’Connell, pelo tema What Was I Made For?.
Do pai da bomba atómica passamos então para Pobres Criaturas, o filme do grego Yorgos Lanthimos que conquistou o Festival de Veneza, e que veio pronto para ganhar em grande estilo, numa cerimónia toda ela peso-pluma e pouco voltada para reflexões (tirando o momento bonito da atriz Lily Gladstone, de que falaremos mais adiante). Com efeito, a criação de Lanthimos, que se pode traduzir numa Emma Stone em modo Frankenstein-à-descoberta-do-mundo, venceu como Melhor Comédia ou Musical, sem ficar esquecida a sua atriz, que assume no corpo toda a estranheza colorida do filme.
E aqui, se quisermos especular um bocadinho, é verdade que Oppenheimer arranca com uma liderança óbvia, mas não nos esqueçamos que este Pobres Criaturas é material mais disruptivo, na linha do último vencedor dos Óscares. Se o duelo se mantiver entre os dois ao longo da temporada, até à cerimónia do dia 10 de março, resta saber se, no desempate, os membros da Academia estarão mais voltados para um regresso ao registo de um cinema “sério”, adulto, de peso histórico, ou se um empreendimento formal e recreativo como Poor Things diz mais à confusão de valores do nosso tempo.
É neste panorama que vemos um filme com o alto calibre hollywoodiano de Maestro ser completamente ignorado, tal como tinha acontecido em Veneza. Apesar de ser um dos favoritos da crítica, a obra-prima de Bradley Cooper tende a ficar para a história dos prémios como uma nota de rodapé amarga. Um esquecimento voluntário causado por uma inenarrável polémica com o “nariz judeu” do Leonard Bernstein de Cooper... Ele que viu fugir o Golden Globe para as mãos de Cillian Murphy (Oppenheimer), e Carey Mulligan que o perdeu para a protagonista de Assassinos da Lua das Flores, a única honra feita ao épico de Martin Scorsese.
De facto, a escolha entre estas duas interpretações femininas – Mulligan como Felicia Montealegre em Maestro e Lily Gladstone como nativa da comunidade Osage em Assassinos... – não era nada fácil. Mas o prémio para Gladstone carrega um significado bem maior. Trata-se do primeiro Golden Globe entregue a uma pessoa indígena, que fez questão de começar o seu discurso na língua Blackfeet, como que a sinalizar claramente o sentido de pertença da estatueta nas suas mãos. “Esta é uma vitória histórica. Não pertence apenas a mim. Estou a segurá-la agora juntamente com todas as minhas lindas irmãs do filme”, disse no palco.
O reino das séries
No capítulo da ficção televisiva, talvez se possa classificar Rixa como a surpresa da noite, uma produção da A24 para a Netflix que anda à volta dos impulsos violentos entre dois desconhecidos, após um incidente de trânsito – venceu na categoria de Melhor Minissérie ou Filme para Televisão, e viu também premiada a sua dupla de atores, Steven Yeun e Ali Wong.
Em todo o caso, The Bear e Succession são os temas fortes neste território. Duas séries que vieram a ganhar impacto com narrativas de alta tensão humana, em domínios diferentes, embora permaneça a dúvida sobre The Bear ser considerada uma comédia... Este drama de cozinha (designação mais correta) superou-se na segunda temporada e confirma a qualidade de um elenco bastante comparável, em energia, com o de Succession. Porém, a criação de Jesse Armstrong já está noutro patamar da história das séries, e é com esse sentimento que se vira a página: o fantasma da família Roy permanecerá por muito tempo, e era preciso verter em estatuetas, por uma última vez, o quão importante estas personagens foram para o universo televisivo.
Principais vencedores
Melhor Filme – Drama
OPPENHEIMER
Melhor Filme – Comédia ou Musical
POBRES CRIATURAS
Melhor Realização
Christopher Nolan, OPPENHEIMER
Melhor Ator – Drama
Cillian Murphy, OPPENHEIMER
Melhor Atriz – Drama
Lily Gladstone, ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES
Melhor Ator – Comédia ou Musical
Paul Giamatti, OS EXCLUÍDOS
Melhor Atriz – Comédia ou Musical
Emma Stone, POBRES CRIATURAS
Melhor Série Dramática
SUCCESSION
Melhor Atriz em série dramática
Sarah Snook, SUCCESSION
Melhor Ator em série dramática
Kieran Culkin, SUCCESSION
Melhor Minissérie ou Filme para Televisão
RIXA
Melhor Atriz em minissérie ou filme para televisão
Ali Wong, RIXA
Melhor Ator em minissérie ou filme para televisão
Steven Yeun, RIXA
Melhor Série Musical ou Comédia
THE BEAR
Melhor Atriz em série musical ou comédia
Ayo Edebiri, THE BEAR
Melhor Ator em série musical ou comédia
Jeremy Allen White, THE BEAR