Investigadores Asal Kiazadeh e Emanuel Carlos estão envolvidos na pesquisa.
Investigadores Asal Kiazadeh e Emanuel Carlos estão envolvidos na pesquisa.DR

Investigadora da NOVA FCT lidera projeto europeu para criar uma nova geração de dispositivos eletrónicos biodegradáveis e sem baterias

Investigadora iraniana Asal Kiazadeh coordena equipa que se propõe a criar uma Internet das Coisas (IoT) circular e sustentável, feita de sensores inteligentes e materiais que se degradam naturalmente. Em entrevista ao DN, fala sobre os desafios da investigação.
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Um projeto científico inovador na Europa está a ser desenvolvido em Portugal. É na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa (FCT NOVA) que uma equipa liderada pela investigadora iraniana Asal Kiazadeh está a desenvolver uma nova geração de dispositivos eletrónicos biodegradáveis e sem baterias, capazes de recolher energia do ambiente e degradar-se naturalmente após o uso.

Residente em Lisboa há uma década, Kiazadeh é uma das principais mentes por trás do projeto GAIA, que foi um dos apenas 44 selecionados em toda a Europa pelo EIC Pathfinder 2025, um programa da Comissão Europeia que apoia ideias de ciência visionária.

A proposta é criar uma Internet das Coisas (IoT) circular e sustentável, feita de sensores inteligentes e materiais que se degradam naturalmente. “Podem tornar a tecnologia invisível, mas responsável. São dispositivos que cumprem a sua função e depois desaparecem, sem necessidade de manutenção nem criação de resíduos”, resume, em entrevista ao DN.

As primeiras aplicações vão aparecer em sistemas sustentáveis de IoT, como embalagens inteligentes, logística e monitorização ambiental”, explica Kiazadeh. “São áreas ideais porque exigem dispositivos de baixo custo, curta duração e alto desempenho. Dentro de cinco a sete anos, esperamos ter demonstradores capazes de comunicar e detectar sem necessidade de bateria, alimentados pela energia ambiente das redes móveis.”

Entre os exemplos que mais a entusiasmam estão os ‘patches’ neuromórficos biodegradáveis, ou seja, pequenos sistemas que funcionam como sinapses, aprendendo com os dados que recebem.

“Imagine um sensor aplicado sobre a pele que monitoriza temperatura ou hidratação e processa a informação localmente, sem necessidade de enviar dados para a nuvem. Graças à eletrónica neuromórfica, o dispositivo aprende e adapta-se ao ritmo biológico de cada pessoa, funcionando apenas com a energia colhida do ambiente — como luz ou calor corporal — e depois degrada-se naturalmente, sem deixar resíduos eletrónicos.”

Investigadora vive em Lisboa há uma década.
Investigadora vive em Lisboa há uma década.DR

De acordo com a investigadora, transformar esta visão em realidade, porém, traz desafios para a pesquisa. O maior deles é combinar interligência, conectividade e sustentabilidade na mesma plataforma de materiais. "Hoje, a eletrónica é eficiente, mas ambientalmente cara; os materiais biodegradáveis são ecológicos, mas ainda não permitem processamento complexo de informação”, reconhece Kiazadeh, que vê na energia outro ponto crítico:

"Para que o IoT seja realmente sustentável, os dispositivos precisam de funcionar sem baterias, aproveitando a energia que existe no ambiente e comunicando com as redes móveis de forma muito eficiente e com baixo consumo.”

De acordo com a investigadora, Portugal tem tido um papel central no esforço de provar que a IoT sustentável não é apenas um conceito, mas uma nova geração de eletrónica circular e regenerativa.

“Na NOVA FCT, a nossa força está em ligar a ciência dos materiais à eletrónica inteligente. Estamos a desenvolver dispositivos que não só comunicam e recolhem energia, mas também processam informação localmente, inspirados no funcionamento do cérebro”, afirma. “Estamos a transformar a sustentabilidade num novo princípio de design para a computação. Este trabalho coloca Portugal na linha da frente de uma nova geração de hardware eco-inteligente, capaz de servir simultaneamente a transição digital e ambiental”, acrescenta.

O percurso de Asal Kiazadeh ajuda a explicar a ambição do seu projeto de investigação. Doutorada sob orientação do professor Henrique Gomes, hoje na Universidade de Coimbra, a iraniana desenvolveu parte da sua investigação em colaboração com a Philips Research, em Eindhoven. Há cerca de uma década, fixou-se em Lisboa, na Universidade NOVA, onde atualmente é professora auxiliar na FCT.

Durante o doutoramento, começou a explorar dispositivos eletrónicos capazes de reproduzir o comportamento sináptico. “Isso despertou a minha curiosidade sobre como os materiais podem aprender e adaptar-se — tal como o nosso cérebro. Com o tempo, percebi que inteligência e sustentabilidade têm de evoluir juntas.”

No seu centro de investigação, encontrou o ambiente certo para o desenvolvimento deste processo. “A colaboração e a curiosidade surgem naturalmente, e isso moldou a forma como vejo a investigação — como um esforço coletivo e multidisciplinar, que une diferentes áreas do conhecimento para criar soluções inovadoras e sustentáveis.”

A investigadora, que considera Lisboa a sua casa — os filhos nasceram por cá e são também os "professores mais divertidos, que corrigem o sotaque” —, acredita que o projeto em curso pode consolidar o protagonismo português nesta nova fronteira tecnológica. “Com o GAIA, esperamos posicionar Portugal como um dos protagonistas na eletrónica neuromórfica sustentável e inteligente, capaz de unir ciência de ponta e responsabilidade ambiental.

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