Portugal volta a destacar-se na ciência europeia. Dois consórcios que integram investigadores portugueses conquistaram prestigiadas ERC Synergy Grants, bolsas de 10 milhões de euros atribuídas pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC): um deles, o projeto RODIN, pode ajudar a revolucionar a medicina regenerativa e as terapias personalizadas, através do desenvolvimento de biomateriais capazes de interagir de forma muito eficiente com células humanas; o outro, o CenAGE, propõe-se a investigar o papel dos centrómeros, regiões até agora pouco exploradas do nosso DNA, no processo de envelhecimento, o que pode ajudar a abrir portas a novas terapias para doenças associadas à idade. As Synergy Grants são uma das categorias de bolsas instituídas pelo ERC, a principal organização da União Europeia para o financiamento de investigação de ponta, e visam apoiar projetos colaborativos interdisciplinares entre investigadores de excelência, capazes de gerar inovação científica e/ou tecnológica disruptiva. Nesta edição, apenas 66 projetos foram selecionados, entre 712 candidaturas - e dois deles distinguem a ciência portuguesa. Compreender e reproduzir a forma como as células moldam o seu meio ambiente O projeto RODIN (Cell-mediated Sculptable Living Platforms) é liderado por um consórcio que inclui os investigadores portugueses João Mano, do Laboratório Associado CICECO - Instituto de Materiais de Aveiro, da Universidade de Aveiro, e Nuno Araújo, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, bem como o inglês Tom Ellis, do Imperial College London. A equipa propõe uma abordagem inovadora à ciência dos biomateriais, partindo da ideia das células como as verdadeiras arquitetas da vida. Este projeto quer compreender e reproduzir a forma como as células vivas moldam o seu próprio ambiente, e usar esse conhecimento para criar materiais inteligentes e dinâmicos que possam interagir com as células de modo semelhante ao que acontece nos tecidos humanos. . “Através desta investigação pretendemos compreender como as células moldam o seu meio e utilizar esse conhecimento para criar novos biomateriais e aplicações médicas que possam transformar a forma como se tratam doenças ou como os tecidos humanos são regenerados”, explicam João Mano e Nuno Araújo, citados em comunicado..A abordagem combina biomateriais, biologia sintética e modelação física, numa colaboração que poderá revolucionar a medicina regenerativa. Em vez de as células serem colocadas em materiais estáticos, como acontece hoje na maioria dos biomateriais, o RODIN propõe o inverso: deixar as células “esculpirem” o material que as rodeia, uma mudança radical na forma como se pensa a engenharia de tecidos e a medicina regenerativa. O objetivo passa por permitir “a criação de plataformas experimentais inéditas para estudar como as células remodelam o seu ambiente, produzindo dados tridimensionais e temporais de alta resolução, e que trarão informação preciosa para o desenvolvimento de novos biomateriais.”O nome do projeto faz alusão ao escultor Auguste Rodin, pioneiro da escultura moderna, porque, “assim como Rodin estudava a anatomia e o movimento para esculpir a vida em pedra, este projeto procura compreender como as células “esculpem” o seu meio, moldando a vida com a mesma precisão e propósito”, comparam os investigadores.. O código oculto do envelhecimento? Também distinguido com uma ERC Synergy Grant de 10 milhões de euros, o projeto CenAGE (Centromere instability as a cause and characteristic of aging) é coordenado em Portugal por Elsa Logarinho, investigadora principal do i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto. O consórcio, que inclui ainda os cientistas Nicolas Manel e Daniele Fachinetti do Institut Curie (França), quer compreender se a instabilidade dos centrómeros — regiões vitais dos cromossomas e até agora pouco exploradas — é uma causa e/ou uma marca distintiva do envelhecimento. Durante décadas, os cientistas associaram o envelhecimento à instabilidade de certas regiões do genoma, como os telómeros (as extremidades dos cromossomas). Mas os centrómeros, que são regiões centrais e altamente repetitivas do DNA responsáveis por manter os cromossomas organizados e estáveis durante a divisão celular, ficaram quase inexplorados, sobretudo porque eram tecnicamente difíceis de estudar.Agora, com novas tecnologias de sequenciação capazes de decifrar estas zonas antes “invisíveis” do genoma, o CenAGE propõe-se explorar os centrómeros como possíveis protagonistas do envelhecimento. . “A instabilidade genómica tem vindo a ser reconhecida como uma causa central do envelhecimento”, explica Elsa Logarinho. “Embora os telómeros tenham sido largamente estudados, permanece desconhecida a contribuição dos centrómeros, regiões que dados recentes apontam como inerentemente instáveis.”. Durante seis anos, as equipas vão caracterizar alterações genéticas e epigenéticas nos centrómeros, estudar como estas afetam o envelhecimento do sistema imunitário e testar intervenções capazes de restaurar a estabilidade do genoma, com o objetivo de retardar a perda de imunidade e a inflamação associadas à idade. “Este financiamento representa o expoente máximo de reconhecimento do potencial científico da equipa para criar conhecimento, abrir paradigmas alternativos e gerar bases conceituais para futuras aplicações na área do envelhecimento”, afirma a investigadora, em comunicado. Se o projeto for bem-sucedido, o CenAGE poderá transformar a biologia do envelhecimento e redefinir o papel dos centrómeros nesse processo, colocando-os no centro da investigação sobre longevidade. E, com isso, abrir novos caminhos terapêuticos, baseados em estratégias que estabilizem o genoma para retardar o envelhecimento e reforçar a imunidade. .Cientistas portugueses descobrem “interruptor” de segurança para evitar erros na divisão celular