Professores estrangeiros representam menos de 1% nas escolas portuguesas.
Professores estrangeiros representam menos de 1% nas escolas portuguesas.Foto: Paulo Jorge Magalhães/Global Imagens

Burocracia, discriminação e contratos precários travam integração de professores imigrantes, conclui estudo

Pesquisa foi realizada pela professora portuguesa Sílvia de Almeida, do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA). Foram combinados dados oficiais e entrevistas com 20 docentes.
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Precariedade nos contratos, preconceito, especialmente linguístico, demora no reconhecimento de diplomas e falta de apoio na integração. Este é o panorama vivido por professoras e professores imigrantes que trabalham, ou tentam trabalhar, em Portugal. Os dados fazem parte do estudo Professores Imigrantes em Portugal: Dados, qualificação profissional, experiências e evidências internacionais, realizado pela pesquisadora portuguesa Sílvia de Almeida, do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA).

Os resultados foram apresentados em uma sessão no final da tarde de quinta-feira, 4 de dezembro, em Lisboa. A investigação, desenvolvida em parceria com Antonina Tereshchenko, da Brunel University London, combinou dados oficiais e entrevistas com 20 docentes estrangeiros.

Segundo Sílvia, apesar da crise de falta de profissionais em sala de aula, o aumento de professores estrangeiros entre 2012 e 2024 foi considerado “contido”: 127 a mais em todo o período. Atualmente, representam cerca de 1% do total de docentes no país.

Um dos movimentos mais marcados é o crescimento de profissionais brasileiros, acompanhando a subida geral da imigração do Brasil para Portugal. Representam 20,8%, segundo a Direção-Geral de Educação (DGE) no ano letivo 2023/24, os dados mais recentes disponíveis.

Cerca de 58% destes docentes lecionam no terceiro ciclo e no ensino médio (o ensino secundário português), sobretudo nas áreas de português, inglês, matemática, educação física e ciências. A pesquisa também identificou que um em cada quatro professores imigrantes permanece apenas um ano letivo. Na última década, apenas 16,4% continuaram na rede de ensino ao longo de todo o período.

As entrevistas, que incluíram várias professoras e professores brasileiros, revelam dificuldades recorrentes: processos documentais inconsistentes, morosos e com exigências pouco claras, especialmente no reconhecimento de diplomas. A burocracia necessária para obter os documentos exigidos pela DGE é apontada como uma das maiores barreiras para quem chega do Brasil.

Um exemplo é o caso da professora brasileira Alana Gabriela Vieira Alvarenga da Costa, divulgado recentemente pelo DN Brasil. O Governo português não reconhecia as diferentes versões do documento que ela apresentava. Após a repercussão pública, o documento foi finalmente emitido, idêntico aos anteriores, com a única diferença de ter sido produzido por Portugal e não pelo Brasil.

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As diferenças na nomenclatura de disciplinas e o não reconhecimento de cadeiras cursadas também impedem o exercício da docência. “Eu fiz três cadeiras só de Geologia, mas não foi considerado suficiente em Portugal. A minha grade foi considerada deficiente. Não deram espaço para medidas compensatórias, nem para mestrado, nem para nada, só indeferiram. A grade curricular era insuficiente por causa da Geologia e eu não podia lecionar”, relatou uma das professoras brasileiras entrevistadas na pesquisa de Síliva. A ausência desses reconhecimentos é motivo frequente de indeferimentos em concursos públicos e até de demissões no meio do ano letivo.

Há ainda relatos de preconceito, incluindo discriminação pelo idioma, pela cor da pele ou pela nacionalidade. Uma professora brasileira descreveu: “A situação mais desagradável foi numa reunião, quando uma colega perguntou que português eu ensinava: ‘Você não é brasileira? Como é que, sendo brasileira, ensina português?’ Eu respondi que falo português e que conheço as diferenças. Ela disse: ‘Mas você fala com sotaque brasileiro’. Eu disse: ‘Então eu faço o meu melhor’.”

Um ponto unânime entre todas as pessoas entrevistadas é a inexistência de programas de integração ou de mentoria estruturada nas escolas portuguesas, especialmente voltados a docentes estrangeiros. Segundo o relatório, os profissionais do Brasil, atualmente maioria, são mais prejudicados. “Essa ausência de apoio formal constitui uma barreira significativa à integração profissional, sobretudo para os professores brasileiros, cuja formação inicial não ocorreu no contexto acadêmico e pedagógico português.”

O documento traz recomendações para que exista uma melhor integração nas escolas. Entre estas orientações, está a criação de programas de adaptação, como os que existem na Alemanha, Irlanda ou Suécia, um programa de mentoria e revisão do currículo de português e formação para docentes e diretores para combater preconceito linguístico, além de campanhas de sensibilização. A pesquisa foi financiada pela Rede de Universidades Jovens de Pesquisa Europeias (YERUN, na sigla em inglês).

amanda.lima@dn.pt

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