Xavier Dolan: "A fama não me deixa mimado"
Como sobreviver à fama de autor antes dos 30 anos? Como não entrar em curto-circuito depois de prémios em Cannes e de uma seleção no Festival de Veneza? O canadiano Xavier Dolan é o menino-prodígio de um certo cinema de autor de festival grande. O ano passado estreou no TIFF de Toronto este The Life and Death of John F. Donovan, o seu primeiro projeto em língua inglesa e com atores de renome internacional. Diz-se que teve problemas com os produtores e que terá deixado meio filme na mesa de montagem A verdade é que a crítica não o poupou.
O filme é a história de uma criança que comunica através de cartas com o seu ídolo, John F. Donovan, estrela de televisão que partilhou com ele as suas angústias e terá sido a inspiração e o incentivo para se tornar ator. Por intermédio de uma entrevista com uma feroz jornalista, a criança, agora já adulto, reflete sobre temas sobre a celebridade e homossexualidade. De alguma maneira, Dolan está a projetar traumas íntimos, ele que na sua infância foi um "wonder kid" da ficção televisiva no Québec.
Em pleno reboliço do Festival de Toronto, Xavier Dolan com pouco sorrisos falou para o DN com o tempo contado e confessou que os temas de A Minha Vida com John F. Donovan dizem-lhe muito respeito. Para ele, o próprio cabotinismo é uma espécie de vingança a Hollywood: "não é relevante se este ator que criei é bom ou mau. Até a personagem do fã diz que não é importante para ele perceber se o trabalho de John tem qualidade. Os fãs não se importam se o seu ídolo é uma merda ou não. Por aí podemos ficar talvez a perceber que ele não era propriamente um grande ator".
Não é nada por acaso que Dolan tenha escolhido para o principal papel Kit Harington, ator de Game of Thrones, um dos ídolos com maior número de fãs jovens em todo o mundo. Aqui, o cineasta e argumentista está a falar dos problemas de ser celebridade: "a fama trás consigo tantos aspetos negativos. Tenho sorte pois estou rodeado de gente sensata, gentil e saudável...Não vivo no estrangeiro, nunca troquei a minha cidade, Montréal. Vivo onde é a minha casa, escolhi não viver em Los Angeles, Paris ou Nova Iorque! Em casa tenho tudo aquilo que preciso e que construí para mim próprio. Tenho os meus amigos, a minha família para me protegerem, sobretudo daquelas pessoas que não param de ficar especadas enquanto ando na rua ou janto num restaurante. Claro que agora a fama muda muita coisa. As coisas já não são como eram antes. Por exemplo, para sair à noite tenho mesmo de estar para aí virado. Quando isso acontece tenho de ir preparado para a toda a tensão e o escrutínio que vou ter de levar...A fama não me deixa mimado, prefiro sempre divertir-me com os meus amigos e estar a jantar com a família. O que me chateia nisto tudo é a perceção de que as pessoas fazem de mim. Julgam que aquilo que pensam sobre alguém famoso é a verdade, mesmo sem nunca terem conhecido a pessoa ou trocado umas palavras. Ninguém fica a conhecer ninguém apenas depois de ler uma entrevista ou após o visionamento de um filme. No meu caso, estou sempre a levar com isso".
Nesse aspeto, Dolan está a também a enviar recados a uma certa imprensa americana que desconfia do seu talento e inventa que é possuidor de um ego excessivo. Precisamente por isso continua: "Devia estar a lutar para mostrar a todos o que quero comunicar e aquilo que sou na verdade em vez de estar a lutar contra os preconceitos que têm sobre mim. Nem imagina, isso é tão duro, especialmente porque na vida não podemos perder tempo. Convencer os outros que não somos aquilo que julgam é uma perda de tempo. Preferia estar apenas a mostrar aquilo que sou através dos meus filmes".
Além de Kit Harington, A Minha Vida com John F. Donovan tem um elenco com estrelas de grande peso, como Susan Sarandon, Natalie Portman e Thandie Newton, tendo ainda deixado na mesa de montagem as cenas com Jessica Chastain. Na altura, Dolan argumentou que a inclusão dessa personagem era um erro e que prejudicava o balanço da narrativa. Acima de tudo, quem diria, o rapaz é um contador de histórias.
Em Cannes, na edição deste ano, voltou a ser a estrela do seu próprio filme, Mathias et Maxime. Não foi a primeira vez que se filmou, ele que agora parece estar cada vez mais a apostar na carreira de ator, sobretudo após papéis relevantes em It: Capítulo 2 e Boy Erased- O Rapaz que Sou, onde contracenava com Nicole Kidman e Lucas Hedges.
Sobre esta sua faceta, não foi particularmente modesto: "Queria ainda trabalhar mais como ator, sobretudo com os realizadores que admiro e cujo trabalho me inspirou no passado. Enfim, os realizadores que me levaram a querer ser cineasta. A representação interessa-me muito, especialmente na maneira de poder escrever papéis para outros atores. Quero continuar a ser ator e arranjar espaço na minha vida para oportunidades futuras. Resta saber se vou ter essas oportunidades...".
Em Toronto.