"Vivemos há décadas um comportamento destrutivo"
John Akomfrah nasceu no Gana mas mudou-se, ainda criança, com a família, para Inglaterra: "Cresci em Londres, nos anos 60, mesmo ao lado de uma central elétrica muito importante, a Battersea. E havia sempre imenso fumo", lembra. Essa experiência acabaria por se tornar determinante na sua carreira. O artista e realizador, atualmente com 61 anos, tem-se dedicado nos últimos a olhar para o planeta Terra, vendo a forma como, por um lado, a intervenção do homem tem alterado a natureza e, por outro, como as alterações ambientais também influenciam a nossa vida. Foi assim com Vertigo Sea (2015), a peça que mostrou na 56ª Bienal de Veneza. E é esse também o tema de Purple, a instalação em vídeo que pode ser vista a partir de hoje no Museu Berardo, em Lisboa.
Em Lisboa para apresentar a sua obra, Akomfrah explica que estas duas peças incluem-se numa série (que poderá ter quatro ou cinco obras, ainda não tem a certeza) a partir da noção de "hiper-objectos", do filósofo Timothy Morton. Os hiper-objetos não são verdadeiros objetos e tendemos a olhar para eles como entidades abstratas porque não os conseguimos definir com exatidão (por exemplo, as alterações climáticas ou a internet), no entanto a sua existência é real e incontornável: "Não são nem objetos nem sujeitos, são algo intermédio e têm um papel central na nossa vida. Como por exemplo, a chuva. Não tem qualquer subjetividade mas a sua influência em nós é profunda. Ou as emissões de carbono", diz Akomfrah.
Vertigo Sea era sobre o mar, "o mais primordial dos hiper-objetos". Esta, Purple, tem um tema mais abrangente: "Gosto muito da cor roxa (purple), porque fica entre o azul e o vermelho, é uma mistura de ambos. E este trabalho chama-se Purple porque é sobre esse espaço indeterminado", diz. Um espaço que fica algures ente o passado e o presente, entre as nossas memórias e o que poderá ser o nosso futuro. À partida, poderia pensar-se que o tema de Purple é a água, por que o som da água é mais constante ao longo do filme e porque as imagens da água - mar, rios, chuva - também são recorrentes. Akomrah admite que é "muito fascinado pela água". E explica: "a água resume bem como a memória funciona - na sua fluidez, na sua densidade, a opacidade, a liquidez."
Em Purple há uma sala completamente roxa e seis ecrãs onde, durante uma hora, vão passando imagens. Por um lado, imagens de arquivo, a preto e branco, que mostram várias atividades do ser humano (as fábricas, as discotecas, crianças na escola, doentes em hospitais, gente na rua, viagens de comboio, trabalhadores nas minas, soldados em guerra, a bomba atómica, etc.). Por outro, há imagens novas, filmadas em dez diferentes países (do Alasca à Gronelândia, passando pelas vulcânicas Ilhas Marselhas no Pacífico Sul), com personagens num tom mais contemplativo, em paisagens naturais ou zonas industriais. Os sons originais são intercalados com a música de Tandis Jenhudson, criando um ambiente imersivo. É impossível ver tudo o que acontece em todos os ecrãs ao mesmo tempo, obrigando o espectador a uma escolha permanente. Como no mundo, onde não conseguimos saber tudo o que está a acontecer. O resultado, diz Rita Lougares, diretora artística do Museu Berardo, é "uma meditação poética e sinfónica".
Arkomfrah passou três anos a trabalhar nesta peça. Grande parte do trabalho foi feito em arquivos, à procura de imagens que ilustrassem o último século. Quem se der ao trabalho de ficar por lá o tempo todo, perceberá que o filme conta uma história que acompanha a vida humana, entrecruzando imagens de pessoas em contemplação da natureza, o quotidiano, os momentos importantes, como o nascimento, e lúdicos, como a dança, e o trabalho. E, ao mesmo tempo, mostrando um percurso pela atividade humana, marcada pela inicial exploração do carvão, e dos primeiros impactos da poluição industrial no mundo, até aos mais recentes: "Vivemos há décadas um comportamento destrutivo, em massa", alerta o artista.
"Não tenho uma ambição para quem aqui vem", diz, quando lhe perguntamos o que gostaria que as pessoas retirassem desta obra. "Tenho uma ambição para mim: fazer com que esta experiência seja o mais parecido com o que foi ser um cidadão do mundo na última metade de século. Lembro-me do discurso do desenvolvimento e de que era preciso construir mais fábricas e fazer mais coisas. Agora podemos olhar para trás e ver claramente essa narrativa do século XX, quase como se fosse um jogo em que parecia haver vencedores e vencidos. Mas na verdade toda a gente perdeu, é o que sabemos hoje."
Purple
John Akomfrah
Museu Coleção Berardo, Lisboa
De hoje a 10 de março de 2019
Bilhetes: 5 euros (entrada gratuita ao sábado)