Mãos que manuseiam fotografias de família, observadas à lupa, sobre uma secretária repleta de livros, álbuns e câmaras fotográficas antigas. Essas fotografias são janelas para as memórias vagas de uma infância passada em Luanda, no tempo em que a capital de Angola era uma colónia portuguesa. "Fomos felizes", diz Joana Pontes em voz-off. A realizadora de Visões do Império parte de um lugar íntimo - da nostalgia e da revolta com que as famílias sentem a herança colonial - para o coletivo - o modo como se criou a imagem próspera do império - num documentário que sonda o circuito dos registos fotográficos e os traços da história por eles contada, cuja releitura de investigadores e historiadores tem vindo a apurar..YouTubeyoutubezXO_-3Ts6Lc.A Feira da Ladra é o ponto de partida desta pesquisa. Aqui, álbuns de família vendidos como relíquias com "fotografias antigas" chegam às mãos dos colecionadores, apagando-se a especificidade biográfica daqueles objetos em prol da visão de conjunto que eles vão integrar. Filipa Lowndes Vicente, uma das habitués da feira, investigadora que coordenou O Império da Visão (Edições 70), um volume dedicado às coleções fotográficas do contexto colonial, fala-nos dos materiais que vai "acumulando" em casa (diz que não os organiza como um colecionador faria). Entre eles, destaca a fotografia de uma mulher negra, numa aparente pose digna, com um bebé ao colo e um estampado da figura de Churchill no vestido, que traz no reverso um texto a caracterizá-la com termos violentos e racistas... A fotografia data de 1961 e surge como um exemplo bruto da linguagem que se reproduziu, e que não consta nos documentos oficiais analisados pelos historiadores..É desta busca entre objetos perdidos, por um lado, e arquivos nacionais, por outro, que se faz Visões do Império, um estudo minucioso e sensível sobre a construção de um imaginário de domínio, desde as primeiras expedições científicas à presença administrativa e de famílias de colonos, que usaram a fotografia como instrumento de poder, ou prova encenada de uma ideia de império. Raras vezes a fotografia serviu o propósito da denúncia, como é o caso da obra documental da missionária inglesa Alice Harris, mas mesmo essa outra "visão" cabe num filme que usa a voz de especialistas para percorrer imagens cujo valor extravasa em muito a apreciação estética..Com um livro publicado sobre a correspondência durante a Guerra Colonial, Sinais de Vida - Cartas da Guerra (edição Tinta da China), Joana Pontes realiza este documentário dentro de uma consciência adquirida que quis aprofundar. E se há pouco tempo estreou também Fantasmas do Império, de Ariel de Bigault, outro documentário à volta do colonialismo português, que aborda a questão do ponto de vista da narrativa cinematográfica, o filme que agora chega às salas tem a particularidade de ligar uma demanda pessoal a um olhar revelador e rigoroso, que desmonta a versão mal contada do que foi o "império". Começa-se num álbum de família e a ele se regressa depois da viagem, tentando apaziguar a estranheza perante a felicidade inscrita nos retratos.