Desde 2015 que o mercado mundial da música gravada não para de crescer. E ainda que o streaming por subscrição seja o principal culpado, o vinil não para de subir o tom. Em 2017, a indústria fonográfica britânica anunciou as maiores vendas de sempre do formato desde 1991, ano de lançamento de Nevermind, dos Nirvana. Já nos EUA, onde é mais patente a atual força do vinil, cerca de 7,7 milhões de discos foram vendidos no primeiro semestre deste ano, sendo que a faturação das vendas pode vir mesmo a ultrapassar a dos CD. O fenómeno vai-se espalhando por todo o mundo e as multinacionais não hesitam em apostar no velho formato. Em Portugal, vira o disco e toca o mesmo: para 2019, a Associação Fonográfica Portuguesa projeta um aumento de 1,7 milhões de euros de faturação do vinil, ainda que um pouco longe dos valores atingidos pelos CD.."É uma moda revivalista", dizem aqueles que mais sabem, dos mais experientes DJ aos vendedores de longa data. De facto, o vinil é o formato que anda e sobrevive há mais tempo pelas ruas da música. Esteve alguns anos esquecido nos cantos das casas, das lojas e das cabines, mas a febre dos discos parece estar a reflorescer..E muita da história desta música tátil mora na Rua do Telhal, em Lisboa. Em letras brancas na vitrina que veste a loja lê-se "Compramos Discos/CD/DVD". É assim que a Carbono se apresenta aos curiosos que por lá passam. Entra-se e esquece-se completamente de onde se vem. Damos de caras com um espaço cheio de preciosidades, mas vazio de pessoas. Um disco dos The Cure a tocar convida a percorrer uma das mais antigas lojas de discos em Lisboa. Do chão às mesas até às mais altas prateleiras vislumbram-se centenas e centenas de discos. Discos que nunca conheceram a vida fora daquela loja, discos acabadinhos de chegar. As paredes cobertas de quadros e de posters de conhecidos artistas. Os gira-discos dos mais novos aos mais antigos espalhados pela sala. Um templo repleto de autenticidade. Uma viagem de regresso aos anos 90..Será o tempo aliado do vinil? Nada de ilusões. "O futuro da música não está em formatos físicos", diz João Moreira, fundador e dono da Carbono. Quando abriu a loja, em 1993, o vinil já estava um pouco ultrapassado. Agora, "é uma moda". Mas as modas acabam e para João Moreira o tal boom do vinil vai começar a descer. Atrás do balcão, enquanto atualiza o catálogo, o vendedor diz que grande parte dos seus clientes são estrangeiros. O negócio já esteve melhor e os motivos são quase sempre os mesmos. "A malta não tem dinheiro e os discos estão cada vez mais caros. É claro que se perde o interesse. Se tu podes ter e ouvir tudo à borla, escusas de vir cá e comprar." Um disco em vinil custa normalmente entre dez e 35 euros, podendo ser muito mais caro se a respetiva edição for nova ou rara..É verdade que o consumo de música está menos dispendioso, mas mais poluente. Um estudo da Universidade de Glasgow comparou o impacto ambiental de cada formato e chegou à conclusão de que o uso de serviços de escuta online representa um aumento das emissões de gases de efeito estufa no ambiente. É verdade que se desmaterializou a música e reduziu-se o uso de plástico, mas a energia que é gasta para carregar a bateria de dispositivos que armazenam e reproduzem levou à emissão de 200 milhões a 350 milhões de quilos de CO₂ em 2016..Um revivalismo para quem pode.Nascida no Porto e estendida a Lisboa, a Louie Louie é outra das lojas importantes no panorama do mercado de vinil no país. No número 3 das Escadinhas do Santo Espírito da Pedreira, em pleno Chiado, o nome lá no alto guia-nos até uma pequena entrada para um grande espaço. O vinil percorre, literalmente, o teto até às mais baixas prateleiras. No fundo da sala recheada de espelhos, um enorme placar de Marco Paulo. No centro, onde tudo acontece, estão os discos de vinil que não discriminam nenhum género. Na secção de soul, presa aos vários discos de Stevie Wonder, está a única cliente. Grande fã do artista, Inês confidencia que sentia que não tinha ouvido tudo nas plataformas digitais e que procurava algo novo e raro. O valor simbólico dado aos discos ultrapassa, por vezes, o valor musical dos mesmos e leva as pessoas a gastarem rios de dinheiro em verdadeiras raridades. Não era o caso..Jorge Dias, responsável pela criação da loja, corrobora a convicção expressa e acredita que o vinil é todo um conceito que vai muito para além da música. Em tempos, refere, "o CD quase matou o vinil", mas o certo é que a partir do novo século o interesse por esse objeto físico aumentou. "Há mercado para todo o tipo de formatos", diz. Ainda assim, lembra que o vinil tem muito que ver com o revivalismo e que é para quem aprecia e pode. É para quem gosta de pegar no disco, olhar e apreciar a capa e saber que a música que se quer está lá dentro. "Como há coleção de livros, há coleção de discos", acrescenta, sem ser tão drástico como João Moreira. "É uma tendência que continua a crescer e aqui sentimos muito isso.".Do ponto de vista de quem vende, o fenómeno está descodificado. E do ponto de vista de quem compra? Como é que se explica esta paixão em que se passa horas a escolher o próximo disco, a limpar a agulha, a ouvir de outra maneira? Charlie, como é conhecido, tem a sua resposta. DJ no Bairro Alto e colecionador de longa data, os seus mais de oitenta mil discos e CD fazem dele um dos maiores colecionadores em Portugal. Aos 15 anos percebeu o que era um vinil, aos 16 já dava festas. "Eu, na altura, já tinha duzentos discos. E porquê é que eu era o DJ das festas? Porque os discos eram meus, não porque eu queria." A partir daí, nunca mais parou. Continua a comprá-los e é capaz de comprar quarenta por dia. "Não sei porquê, mas continuo. É como se fosse uma doença. Eu compro por gosto, mas esse gosto por vezes acaba no momento em que compro. Porque já é menos um que eu preciso de comprar. Como existe a coleção dos cromos, das caixas de fósforos, isto é do mesmo género. Só que esta ouve-se.".Alguma vez o vinil se tornará obsoleto? Charlie é perentório: "Não, nunca. É impossível." Para ele, os próprios fabricantes nem vão deixar que isso aconteça, pois não vão querer parar de fazer leitores de CD e gira-discos. E depois há o lado dos que realmente gostam. "O processo de tirar o disco da capa, limpar o disco, metê-lo em cima do gira-discos, limpar outra vez e pôr a tocar e depois ouvir aquele picotado porque o disco já não é novo, apesar de ser um pouco saudosista, é único e muito agradável", reforça o experiente DJ, que acompanhou a evolução das plataformas e agora usa o digital "por ser mais leve e simples". A fase de transportar mais de 200 discos já passou..Os novos discos de vinil?.Ricardo Campos também é da altura em que se levava um monte de discos às costas. Radialista da Antena 1 Madeira e da Antena 3 Madeira e disc jockey, assume que o bichinho do vinil já vem de família. O pai comprava todas as semanas aquilo a que chamava de "brinquedos". Esse bichinho tornou-se a sua forma de estar e de viver. Ele já usou de tudo - "desde as bobines de fita magnética e as famosas cassetes, passando pelos MiniDisc e depois os CD até aos atuais modelos digitais". Mas "nada como o vinil", diz o DJ, que tem pena de que o desenvolvimento tecnológico tenha retirado o vinil à rádio. Mas o radialista tem uma solução: "Pegar nessas novas tecnologias e reinventar o vinil.".Poderá mesmo chegar ao mercado, em breve, um novo e revolucionário formato: o disco de vinil em HD, desenvolvido por uma startup austríaca. Com maior precisão e menor perda de informações de áudio, estes renovados LP prometem não deixar cair o mercado de vinil. Será esta a derradeira oportunidade de conquistar os mais novos?."Os jovens não querem saber disto." Nisto, João Moreira e Charlie estão de acordo. De facto, não é muito comum uma pessoa mais nova do que o vinil em si ainda usar esta plataforma. André Leiria é um caso, como muitos outros, à parte. Com 26 anos, também é DJ e produtor - e um verdadeiro apaixonado pelo vinil. Tal como Charlie, também herdou a aparelhagem da família e o aumento do interesse pelos discos foi natural. Dentro do género da eletrónica, André foi aprendendo tudo do zero, tendo optado mais tarde por fazer um curso de produção. Hoje é um dos mais promissores jovens DJ portugueses no estilo em que se insere. E adivinhem lá?... Só usa vinil. "Há primeiro a tal questão do colecionismo, que é culturalmente intrínseco ao homem", diz. "O facto de criarmos um espólio de objetos por nós encontrados pode dar muito prazer. Uma coleção pode até tornar-se uma extensão psicológica da pessoa." Bem mais importante é o desafio de misturar em vinil e quando as coisas estão a correr bem isso faz que o próprio se sinta realmente absorvido na música. "É transcendental. Fico constantemente admirado pela quase perfeição do formato.".Perfeito ou não, o vinil parece estar em alta. Mas atenção, "daqui a dez anos isto dá a volta outra vez e os CD voltam a estar na moda porque houve um movimento qualquer", avisa Charlie. Até lá, desfrutemos do ritual de outros tempos: colocar a agulha em cima do disco, ouvir o lado A e o lado B, exibir a capa no melhor sítio da casa. No fundo, desfrutar da música que é tátil.