Por que é que em Espanha não é possível ter unidade política em momentos tão críticos como o que estamos a viver agora com a pandemia de covid-19? Há várias razões. Vemos países como Portugal e pode parecer que em situações de crise o normal é a unidade política ou uma redução da oposição. Mas é mais uma crença generalizada do que uma evidência rotunda. A realidade é que existem muitas respostas, em função de alguns fatores. Por exemplo, a oportunidade que vê o partido da oposição de substituir o governo depois desta crise. Quanto mais frágil é um governo, mais fácil é que não tenha apoios. Outro elemento que pode influir é o momento no qual se encontra a oposição. Quando é uma oposição forte, é mais provável o entendimento com o governo. E mais um elemento: nem todos os partidos respondem da mesma forma. Os partidos de alternância de governo têm uma resposta mais leal e os que são ideologicamente extremos e populistas dificilmente vão procurar a cumplicidade. Por tudo isto vemos em Espanha esta divisão. No caso concreto do comportamento do principal partido da oposição, o PP, há dois elementos: a fragilidade do governo, de coligação minoritário e instável; e um PP asfixiado pela competição do Vox..Como está a reagir o governo de Pedro Sánchez a esta crise? O facto de ser um governo de coligação minoritário não ajuda em contextos em que é preciso o apoio maioritário do parlamento. A instabilidade política que vemos agora está a ser arrastada desde 2015 perante a incapacidade de formar maiorias estáveis. Também é certo que a atuação do governo, que precisa de apoios, tomou as rédeas sem dialogar nem com os partidos nem com as autonomias. Tirou-lhes o poder todo e não procurou o entendimento. Poderia ser uma inconsistência, um governo frágil que não procura o consenso..Todos os anúncios feitos pelo governo em relação ao desconfinamento estão a criar confusão e surgem críticas. O governo não está a saber comunicar? O governo teve problemas para passar as suas decisões para a opinião pública. Teve de recuar ou modificar algumas das suas decisões. Isso cria uma sensação de imaturidade e improvisação nas suas decisões..Que repercussões vai ter esta crise no governo? A situação pode mudar muito. Mas neste momento, o comum é pensar que vamos ver um desgaste do governo por causa da crise de saúde e da económica. Ou fazes uma gestão muito boa desta crise, e sabes comunicar isso à opinião pública, ou vais ser muito penalizado. Pelo que sabemos, os governos saem reforçados se são proativos, reconhecem a gravidade da situação, não têm problemas em pedir ajuda e apoios. Com respostas como as de esconder, minimizar, aparentar autossuficiência... acaba por criar a imagem de um governo que não está à altura das circunstâncias..O governo está a ser cada vez mais criticado pela opinião pública. Há dados que mostram que o governo perde a batalha da opinião pública. A maioria não percebe que tenha um plano esclarecedor para o desconfinamento, ou que saiba como afrontar a crise económica que vai chegar..O governo assumiu o controlo e tirou competências às autonomias. É interessante analisar como o governo pensou que esta crise deve ser gerida centralizando o poder todo. Uma crença que claramente denota desconfiança num dos pilares do sistema político espanhol: a descentralização. Por detrás das suas decisões há uma conceção do mundo. Não parece que o Estado federal esteja nas suas prioridades. Não está escrito em lado nenhum que centralizar o poder te permita ser mais eficiente na tua capacidade de resposta. A solução que encontrou o governo pareceu-me muito chamativa..Como está a afetar esta crise à relação do governo formado pelo PSOE e pelo Unidas Podemos? Os governos de coligação passam por fases. Na primeira etapa há mais cooperação porque se sabe que a legislatura é longa, e os momentos de confrontação acontecem mais para o fim ou quando são esperadas novas eleições. Agora temos que pensar o tipo de legislatura que vamos ter em Espanha, com um governo frágil que tem parceiros que divergem da forma de gerir esta crise. Pode parecer que o governo não vai conseguir continuar, mas ainda é cedo demais para saber as consequências políticas desta crise..O problema catalão passou para segundo plano. Como pode evoluir? A questão catalã, como preocupação para os cidadãos, reduz-se. Mas é verdade que há elementos que nos fazem pensar que a crise catalã vai-se manter. O governo autonómico catalão procurou claramente diferenciar-se do governo central. Estamos num processo descentralizador e lembra muito o que aconteceu na crise da dívida em 2010. Então o governo utilizou a crise para centralizou as políticas autonómicas. E sabemos que este tipo de conduta cria respostas contrárias por parte das regiões como a Catalunha ou o País Basco. Isto pode criar sentimentos de procura de maior autogoverno ou independência..Pablo Iglesias tem o seu lugar no governo seguro ou está a ser posto em causa? O Podemos conseguiu entrar no governo e foi um feito, mas está numa posição modesta no governo de coligação. Pablo Iglesias pode acabar por se encontrar fora do lugar: é o segundo partido da coligação mas não sustenta nenhuma das competências relevantes para a gestão da crise. Pode criar uma situação de incómodo do sócio minoritário. Mas penso que é um problema do Unidas Podemos no governo, não só de Pablo Iglesias.