As universidades estão a ser inundadas com pedidos de estrangeiros que querem ver os seus cursos reconhecidos em Portugal. A entrada em vigor no início do ano de uma nova lei para reconhecimento de graus e diplomas, que prometia tornar o processo mais simples, levou a uma verdadeira corrida nesta área, com mais de quatro mil pedidos apresentados em menos de três meses. Há universidades que num trimestre já tiveram mais pedidos do que em todo o ano passado e relatam-se atrasos provocados por problemas na plataforma informática e pelas dúvidas na interpretação da lei..O aviso publicado no site da Direção-Geral do Ensino Superior (DGES) já deixa perceber que os serviços estão a ter problemas para responder a todos os pedidos. "A partir de 11 de março de 2019 o atendimento presencial da Divisão de Reconhecimento, Mobilidade e Cooperação Internacional é efetuado exclusivamente por marcação", lê-se numa publicação da DGES, com o "exclusivamente" escrito com letras que berram. Ao lado, um outro aviso que servia de conselho para quem se candidatou ao concurso da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, que terminou nesta sexta-feira, admitia a existência de um "volume elevado de pedidos de reconhecimento de graus e diplomas efetuados, recentemente, junto desta DGES"..Lisboa, Porto e Coimbra reconhecem ao DN que receberam um número anormal de pedidos de reconhecimento de diplomas, em especial no último mês. "Tendo em conta o atraso na publicação da portaria regulamentar e no lançamento da plataforma informática para reconhecimentos", informa a Universidade de Lisboa, "estes pedidos concentraram-se todos no último mês, o que provoca um natural congestionamento". Mas isto deve-se ao facto de Portugal ser de facto, neste momento, um país atrativo para cérebros estrangeiros? Ou esta corrida aos pedidos é mais justificada pela nova lei - que centralizou os processos numa plataforma online e quer simplificar o processo, reduzindo a necessidade de apresentação de documentos -, e reflete apenas a concentração dos pedidos de quem esperava pela entrada em vigor da legislação aprovada a meio do ano passado? A resposta resultará da soma de todos os fatores..Ao DN, a Direção-Geral do Ensino Superior dá uma dimensão do "volume elevado de pedidos": a nível nacional, juntando os apresentados junto da própria DGES e as instituições de ensino superior, foram formulados mais de 4300 (4353) pedidos de reconhecimento de graus e diplomas desde o início do ano até à última terça-feira. Só a direção-geral, que recebe apenas um dos três tipos de pedidos de reconhecimento - o automático, que como o nome indica é mais direto, existindo ainda o de nível e o específico, que podem envolver provas e são feitos apenas nas universidades -, recebeu 844 pedidos em menos de três meses, mais do que em todo o ano de 2016 (681). E a este ritmo vai superar largamente os 929 registos efetuados em 2017 e os 1481 do ano passado.. Em Coimbra, os pedidos do primeiro trimestre superaram mesmo o total de qualquer um dos últimos anos. Desde o início do ano foram submetidos cerca de 300 pedidos de reconhecimento de grau estrangeiro à Universidade de Coimbra, quando em todo o ano passado tinham sido 245. Em 2016 e 2015 foram ainda menos - 142 e 97, respetivamente. Em respostas enviadas ao DN, a universidade realça o aumento de procura dos seus serviços para reconhecimento de qualificações, apesar de alguns pedidos serem repetidos. Mas também não deixa de apontar problemas que podem atrasar os processos, desde logo com "as dificuldades de interpretação da Portaria n.º 33/2019" (que regula os procedimentos do reconhecimento de graus académicos e diplomas estrangeiros) e com "as profundas alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 66/2018", que aprovou o seu regime jurídico..Brasileiros são os que mais pedem. "Isso está uma confusão! Não está claro para mim o que é possível fazer com essa nova lei, quem tem direito ao quê." A carteira de clientes de Roberto, advogado que representa cidadãos brasileiros que tentam obter a certificação das suas competências em Portugal, não para de aumentar, mas nem ele conseguiu já perceber tudo o que mudou com a nova lei. "Um funcionário da Universidade de Lisboa explicou-me que aquilo a que agora se chama requerimento específico era o que até aqui se intitulava de equivalências, parece-me que é mesmo a grande diferença. Porque, em relação à dispensa de entrega de documentos originais, algumas universidades já o faziam.". A portaria publicada neste ano e que regula esta área privilegia procedimentos que dispensem a entrega de diplomas, cartas de curso ou cartas doutorais em formato original, a redução ao essencial da documentação necessária à instrução dos pedidos e prevê a eliminação de entregas de teses e dissertações em formato de papel para efeitos de depósito legal na Biblioteca Nacional. "A simplificação e desmaterialização do procedimento garante a redução dos custos e economias de tempo, tanto para requerentes como para as entidades competentes para o reconhecimento", defende o documento. Além disso, como assume o novo decreto-lei aprovado no ano passado, há um objetivo de captação de cérebros internacionais. "A internacionalização é encarada como uma característica particularmente importante em Portugal, dada a dimensão do país, a capacidade formativa instalada e a sua tradição de abertura internacional.".Os brasileiros são os que mais procuram a certificação de cursos em Portugal, confirma a DGES, isto apesar de as licenciaturas feitas no Brasil não terem um reconhecimento automático, ao contrário do que acontece com a generalidade dos países europeus. "A Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa fez recentemente um acordo de reconhecimento dos diplomas com a Universidade Federal do Rio de Janeiro e agora o que me dizem é que nem sabem se ele é legal", lamenta Roberto. Ainda assim, "os pedidos não param de chegar, os brasileiros continuam muito interessados em vir para Portugal. Pensei que a eleição de Bolsonaro pudesse travar esse fluxo, mas isso não aconteceu"..Os países de origem de quem quer ver o curso reconhecido no nosso país retratam bem afinidades geográficas/culturais e tendências de imigração nos últimos anos: ao Brasil juntam-se Espanha, Reino Unido, Itália e França. Segue-se um segundo grupo liderado pela Alemanha, EUA, Rússia, Ucrânia, Holanda, Turquia, Suécia e Bélgica..Respostas podem exceder prazos.No caso dos reconhecimentos automáticos, que representam cerca de metade (2135) do total de pedidos a nível nacional, a emissão da certidão tem de ser feita no prazo de 30 dias. Mas, além das dúvidas com a nova lei, problemas de funcionamento da plataforma RecON (na qual são submetidos todos os pedidos) "têm originado atrasos na adaptação e aplicação dos procedimentos de reconhecimento em cada instituição de ensino superior nacional", aponta a Universidade de Coimbra..Problemas confirmados pela Universidade de Lisboa (UL), que avisa que os prazos podem derrapar. "Até agora a Universidade de Lisboa tem conseguido cumprir os prazos. Haverá no entanto que ter em conta que, devido ao facto de muitos dos requerentes, ao introduzirem os seus processos na plataforma informática dos reconhecimentos, não o fazerem corretamente, não apresentarem toda a documentação necessária ou se depararem com anomalias no funcionamento da plataforma, será de esperar que os tempos de resposta excedam as expectativas dos candidatos a reconhecimento", reconhece Eduardo Pereira, vice-reitor da UL..A DGES garante que está a cumprir todos os prazos legais, "estando, inclusivamente, a apresentar respostas em 48 horas, desde que os processos se apresentem completos". Dos 844 requerimentos apresentados na Direção-Geral do Ensino Superior, foram já efetuados 353 reconhecimentos automáticos.