Uma pornostar na Croisette
Entre confirmações e desilusões, assim anda a competição oficial de Cannes. Da América chegou Red Rocket, o filme de Sean Baker, um dos príncipes do restante cinema indie. A história de uma ex-pornostar que regressa ao Texas depois de um declínio na carreira em Hollywood. Mikey Saber está sem dinheiro e sem horizontes. A primeira coisa que faz é instalar-se na casa da ex-mulher e começar a traficar erva. Depois de conhecer uma jovem menor ganha um novo objetivo: levá-la para Hollywood e transformá-la numa revelação do cinema para adultos.
Baker continua a filmar com um ritmo muito sincopado e com um scope de realismo cru. Interessa-lhe essa América das margens, onde as paisagens de traseiras de bairros white trash e silhuetas de fábricas lhe dão o cenário ideal para deixar à solta as personagens. Tal como em Florida Project, não vitimiza a miséria dessas personagens, tem até um certo consolo cúmplice. O único senão é abraçar em demasia o fascínio das histórias reais do universo da indústria dos filmes X. Um fascínio que se perde num voyeurismo pouco justificado, mesmo se pensarmos que o ator principal, Simon Rex, é precisamente alguém vindo dessa realidade.
Filme de sonhos desfeitos, Red Rocket é um conto de vencidos da vida convincente mas nunca exaltante, ainda assim bem superior a uma das maiores deceções da competição, The Story of My Wife, de Ildikó Enyedi, cineasta húngara que venceu em Berlim o Urso de Ouro de 2017 com o belíssimo Corpo e Alma. Trata-se de uma adaptação do romance de 1942 de Milán Fust sobre um comandante de um navio que aposta casar com a primeira mulher que entre no café onde está.
São quase três horas de um academismo que se confunde com europudding - demasiados atores de nacionalidades diferentes (Léa Seydoux parece desamparada), demasiados sotaques - na tentativa de sublinhar um ideal do "grande romanesco". Aqui e ali há meia dúzia de planos de bom gosto visual, mas The Story of My Wife é o verdadeiro exemplo do velho pastelão europeu abastado...