Foi em Xangai, em 1921, que o Partido Comunista Chinês foi fundado, o que mostra como a cidade já então se tornara cosmopolita a ponto de ter uma numerosa classe operária e ao mesmo tempo uma elite chinesa esclarecida que, findo o império em 1911, ambicionava uma república mais ambiciosa, mais revolucionária mesmo. Mas não foi nada fácil aos comunistas imporem-se em Xangai, onde o espírito capitalista, ou comercial, era já fortíssimo ainda antes de a Primeira Guerra do Ópio (1839-1842), ganha pelos britânicos, ter forçado a dinastia Qing a abrir esse porto e mais quatro ao comércio internacional (além da cedência da ilha de Hong Kong, na foz do rio das Pérolas, frente a Macau)..Depois dos britânicos, instalaram-se na cidade os americanos, os franceses e os japoneses, com estes a abrirem as primeiras fábricas, depressa imitados por outras nacionalidades que se sentiram atraídas pelo arrojo de Xangai e que também vão descobrir uma das mais afamadas gastronomias da China..De repente, Xangai passou a atrair não só investimentos como sobretudo gente, de dentro da China e de fora. Curiosamente, se a partir de Moscovo a Internacional Comunista sob controlo soviético aconselhava ao PCC o compromisso com os nacionalistas do Kuomintang, milhares de refugiados russos brancos, fugidos da revolução bolchevique, chegavam à cidade portuária próxima do Yang-Tsé em busca de uma nova vida. Dos cabarés ao cinema, Xangai vai ser assim, pela abertura ao mundo, pioneira de quase tudo na China e isto acontece ainda antes da chegada dos judeus, que serão também aos milhares a instalar-se ali, sobretudo quando o antissemitismo começa a renascer na Europa..Apesar de Pequim e Nanquim serem as cidades que num momento ou outro assumem o estatuto de capital numa época marcada sucessivamente pela emergência de senhores da guerra, tentativas de restauração do império e até dos próprios Qing, e de crescente interferência estrangeira, sobretudo japonesa, Xangai revela-se um epicentro político. E não só por causa de ser o local da fundação do PCC (a partir de 1949, senhor da China, através da República Popular), como zona de teste à cooperação entre comunistas e nacionalistas..Se enquanto Sun Yat-sen, que foi o primeiro presidente chinês, liderou o KMT comunistas e nacionalistas estiveram juntos nas ações militares para reunificar o país, após a morte de Sun em 1925 e a emergência de Chiang Kai-shek tudo mudou. O novo líder do KMT, mais tarde conhecido como generalíssimo e que será presidente chinês durante a Segunda Guerra Mundial, persegue os comunistas a partir de 1926, começando por uma purga em Xangai..A prosperidade da cidade na década de 1920 parece em boa medida ignorar o caos político no país e mesmo as lutas partidárias na cidade. O Bund, a parte costeira da cidade, também a mais estrangeirada, continuava a acumular edifícios de art déco ou de outras arquiteturas importadas, como o prédio que servia de sede ao banco HSBC. E se a numerosa comunidade estrangeira, sobretudo europeia, frequentava os clubes e cafés da moda, também os chineses com dinheiro e ocidentalizados se juntavam àqueles. Só o jardim público situado no extremo norte do Bund se manteve fechado a chineses até 1928, por ser reservado para a comunidade expatriada, mas por muito que tal mostrasse sobranceria dos ocidentais perante um povo com uma cultura cinco vezes milenar, é um mito que uma placa à porta tivesse nela escrito "cães e chineses não autorizados"..Entre as figuras com mais classe na Xangai da época estava Soong Mei-ling, uma beldade nascida na cidade em 1897 (ou 1898, há dúvidas) e que estudou nos Estados Unidos. Cristã, casou com Chiang, até então budista, exigindo que este se convertesse. Fazia parte de uma família com grande influência na nova China republicana, com um irmão que chegaria a ser primeiro-ministro e uma irmã que, viúva de Sun, se tornou já na República Popular da China, proclamada por Mao Tsé-tung, presidente honorária..Não é difícil imaginar um passeio pelo Bund das três irmãs Soong (havia ainda uma casada com o maior magnata do país). Fluentes em inglês, conversariam à vontade com muitos estrangeiros. O tradicional traje feminino chinês, estilo mandarim, estava a ser adaptado a gostos mais modernos e as mulheres elegantes ousavam agora vestir o cheongsam ou qipao, que se colava ao corpo. Xangai também nascera para capital da moda..Existem bastantes imagens desta época tão elegante como atribulada de Xangai, pois não faltavam lá os amantes dos filmes, gente sempre disposta a filmar, desde uma greve operária a um casamento. Não admira, pois Xangai desde o início foi a capital do cinema chinês, com os primeiros filmes ainda nos tempos imperiais, logo a partir de 1895..O lado negro desta Xangai eram tríades como o Bando Verde, que vivia do comércio de ópio e da prostituição e cujos membros chegaram a gozar da proteção do KMT, pois serviam para desfazer greves ou outros protestos dos pobres e famintos da cidade (que também os havia e muitos) que não agradavam a Chiang, muitas vezes organizados pelo PCC..Mais tarde, KMT e PCC voltarão a ser aliados contra o invasor japonês para, por fim, numa última guerra civil, os nacionalistas perderem e refugiarem-se em Taiwan..Hoje, Xangai continua cosmopolita, apesar de sete décadas de governação comunista. Faz cada vez mais concorrência a Hong Kong, entretanto devolvida à China, como capital económica do país. E o PCC certamente dará à cidade um lugar central nas celebrações do seu centenário em 2021.