Uma cimeira para provar que salvar o clima é mais do que "abraçar coelhinhos"
Os analistas e ambientalistas estavam céticos sobre o possível efeito dominó do anúncio do presidente dos Estados Unidos em cortar as emissões de CO2, mas o facto é que o Canadá e o Japão juntaram-se na revisão das metas durante as primeiras horas da cimeira dos líderes sobre o clima, uma iniciativa da presidência norte-americana.
Joe Biden anunciou uma redução de 50% a 52% até 2030, tendo em conta 2005, ao que respondeu Justin Trudeau elevando a fasquia entre 10 e 15 pontos percentuais, também tendo como referências 2005 e 2030, e Yoshihide Suga, que se comprometeu com 46% menos até 2030, em relação aos níveis de 2013.
Estes anúncios foram recebidos de braços abertos pelo secretário-geral das Nações Unidas. "A cimeira de hoje mostra que a maré está a mudar a favor da ação climática, mas ainda há um longo caminho a percorrer", reagiu António Guterres, que antes, durante a sua intervenção, advertira que o mundo "corre para o limiar da catástrofe".
A vitória diplomática da Casa Branca que foi juntar, ainda que à distância, dirigentes de países com relações tensas com os Estados Unidos, como a China e a Rússia, não teve para já outros efeitos. O maior poluidor mundial reafirmou os compromissos declarados no ano passado e Vladimir Putin não apresentou uma meta significativa.
A vice-presidente Kamala Harris foi a primeira oradora da cimeira, tendo invocado os incêndios florestais no estado natal da Califórnia como um exemplo do impacto das alterações climáticas. "Como comunidade global, é imperativo que atuemos rapidamente e em conjunto", disse, antes de Joe Biden revelar a nova meta até 2030.
Refira-se que o compromisso dos EUA, sendo uma clara evolução se comparado com o de Barack Obama (que propunha um corte de 26% a 28% até 2025), não é tão ambicioso quanto o da União Europeia. O acordo alcançado na véspera pela presidência portuguesa do Conselho e pelo Parlamento cifra-se numa redução de 55% de emissões até 2030 com base nos níveis de 1990.
Se os EUA partirem dessa base, e não de 2005, o projetado corte corresponde a valores entre 41% e 44%. A Casa Branca diz que o novo compromisso dos EUA é consistente com o objetivo de que o aumento da temperatura global não ultrapasse 1,5 ºC acima dos tempos pré-industriais, mas uma análise do Climate Action Tracker indica que fica aquém desse objetivo. Os EUA teriam de reduzir a emissão de carbono entre 57% e 63%, segundo esta entidade independente.
Para Biden, a "crise existencial do nosso tempo" exigirá um esforço internacional muito maior. "Os sinais são inequívocos. A ciência é incontestável. E o custo da inação continua a aumentar", disse no início da cimeira que classificou como um primeiro passo para um esforço unido entre as grandes economias, que são também os maiores poluidores de carbono. "Temos de avançar. Temos de avançar rapidamente. Temos de agir, todos nós", incitou.
Mais tarde, Biden anunciou que irá dar início a um plano financeiro internacional para que os países possam passar das palavras aos atos. A esse propósito, a diretora do FMI Kristalina Georgieva disse que só quando as 20 maiores economias começarem a pagar pelas emissões de carbono é que se pode atingir as metas.
Tendo antecipado na terça-feira a nova meta do Reino Unido - um corte de 78% de emissões até 2035 em relação a 1990 -, o primeiro-ministro britânico realçou a necessidade de se encontrarem soluções tecnológicas que permitam acelerar a descarbonização da economia, e por outro lado, que o que está em jogo não é um delírio ecológico.
"É vital para todos nós mostrar-se que não é apenas um acordo caro e politicamente correto de abraçar coelhinhos. Trata-se de crescimento e emprego." Boris Johnson creditou Biden por enquadrar a questão nesses termos e deu uma nova roupagem ao lema "construir de novo melhor", da autoria do presidente norte-americano. "Quero deixar-vos com a ideia de que podemos construir melhor a partir desta pandemia, construindo mais verde", disse.
Tal como Boris Johnson, as intervenções das alemãs Angela Merkel e Ursula von der Leyen e do italiano Mario Draghi foram elogiosas quanto à mudança de rumo que Biden impôs, em comparação com a administração Trump.
As novidades, contudo, vieram do vizinho no norte e do mais importante aliado do Oriente. "O Japão está pronto a demonstrar a sua liderança para a descarbonização mundial", disse Yoshihide Suga, que pouco depois de ter assumido funções, no final do ano passado, assumiu o compromisso de levar a segunda maior economia de um país desenvolvido e o quinto maior poluidor à neutralidade carbónica em 2050. No entanto, as metas até lá eram modestas, um corte de 26%, sendo agora revistas para 46%. No entanto, a Greenpeace japonesa lamentou que o governo não acabe com a exportação de centrais elétricas alimentadas a carvão.
Por sua vez, o primeiro-ministro canadiano Justin Trudeau concordou com a urgência em tomar medidas, "porque não há vacina para um planeta poluído", e disse que a meta anterior, de 30% a menos de emissões até 2030, iria para o intervalo de 40%-45% e deixou em aberto novas ações na "jornada até ao zero em 2050".
A esperança de que o país com mais emissões globais mostrasse maior ambição na ação climática caiu por terra quando se ouviu o discurso de Xi Jinping, o primeiro líder de um país convidado a usar a palavra. "A China comprometeu-se a passar do pico de carbono para a neutralidade de carbono num período de tempo muito mais curto do que o que poderia levar muitos países desenvolvidos, e isso requer esforços extraordinariamente árduos por parte da China", disse Xi.
Pequim estabeleceu atingir o pico das emissões em 2030 e só depois começar a redução até ao ponto zero em 2060. A única novidade é que se comprometeu em começar a reduzir o consumo de carvão do país em 2025 e que o seu governo iria "controlar rigorosamente" os projetos de centrais a carvão.