Ignácio de Loyola Brandão nasceu em Araraquara e alguns dos seus livros venderam mais de um milhão de exemplares no Brasil. Quando foi convidado para vir ao festival literário das Correntes d'Escritas, na Póvoa de Varzim, ficou surpreendido: "Sempre ouvi falar e invejava quem vinha, como os meus amigos João Ubaldo Ribeiro e Antonio Torres." Logo disse sim e, feita a experiência durante os últimos dias, sai satisfeito porque apreciou o formato literário que reúne escritores e leitores. A sua única insatisfação é para com a realidade social e política do Brasil..A política é um tema constante nos seus livros. Porquê?.Em muito, e no Zero é total..O original de Zero tinha 3000 páginas e reduziu-as a 300. Como se faz esse milagre?.Nem sei. O livro nasceu quando eu era chefe de redação do Última Hora. Em 1964 houve o golpe militar e o jornal foi fechado por três semanas Quando reabre muita gente tinha sido presa, fugido ou exilado, mas havia um elemento novo dentro da redação: o censor. Ele aprovava ou proibia as matérias e eu, por instinto, fui pondo numa gaveta tudo o que proibiu desde o primeiro dia. Muito tempo depois, levei esse material para casa e um dia uma amiga disse-me que aquilo era tudo o que o Brasil não soube e questionou se não era um livro..Como estruturou o livro?.Fui reescrevendo com um tom de ficção sem nunca abandonar a realidade. Encontrei um personagem mas a narrativa não encaixava. Aí, coincidiu ter visto o filme de Fellini, 8 1/2, que não possuía uma estrutura definida: havia o plano do real, da realidade imaginada, do sonho e da memória. Foi assim que descobri a estrutura e fui cortando até chegar à versão final, também inspirado pelo romance de John dos Passos, o Manhatan Transfer..Foi um romance de grande impacto..Sim. Nessa altura vi muito amigo ser preso ou ir para a luta armada mas eu não sou de dar tiros e pensei: a minha bomba é este livro. Só que ninguém o quis editar um trabalho que me levou dez anos, até que a editora italiana Feltrinelli aceitou. E foi o primeiro livro que enfrentou a ditadura militar, sendo que durante ano e meio não perceberam o seu significado até ser proibido por três anos. Entretanto, era reproduzido clandestinamente e servia à resistência. Os jovens juntavam dinheiro e faziam dez fotocópias, porque um livro não se mata..Meio século depois os tempos continuam complicados?.Muito e com a agravante de o Brasil caminhar para uma ditadura judiciária e sem a hipóteses de se a mudar como foi o caso da militar. Além de que agora bastam dois minutos de conversa com o melhor amigo para ele te querer matar. Existe um ódio constante e todas as pessoas estão no limite - receiam-se uns aos outros. Tanto assim que decidi escrever esse novo livro que reflete a situação..A geração os novos escritores não combate esta situação?.Não, a literatura brasileira ainda não percebeu o que se passa. Nenhum jovem escritor está a colocar este país dentro de um livro, talvez porque seja muito cedo pois só tem três anos. O que publicam são livros individualistas, egocêntricos e que falam de um país que não existe..Vai retratar este Brasil?.Sim, já comecei e já o recomecei porque a realidade está em grande mudança. Nem que seja a última coisa que eu faça..No mesmo estilo de Zero?.Não, encontrei uma outra forma de narrar, como se fosse através das gravações de câmaras de vídeo que estão por toda a parte e que irão captar os pensamentos. Cada vez que adotei o registo do absurdo foram os meus maiores sucessos..Porque esteve nove anos sem publicar um romance?.Estava dominado pela crónica e apenas registava o instante até querer escrever uma coisa com mais fôlego. Mas faltava-me o tema, que surgiu quando percebi que já não reconhecia o Brasil..Achou que tinha perdido a inspiração?.Nada tinha para dizer e as ideias que apareceram eram bobagens. Fui desistindo até restar a realidade..Sabe o perfil do seu leitor?.Nunca se sabe, apenas que tenho o leitor da crónica e o dos livros - os primeiros são os mais velhos os outros os mais novos. De vez em quando vejo alguém a ler um livro meu e sento-me ao lado para ver o que ele anota e o que descobri é que as frases que mais gostam são aquelas que achava menos importantes. O leitor é sempre um enigma..Como olha a relação cultural luso-brasileira?.Não vejo muito intercâmbio e já se venderam mais livros portugueses no Brasil, bem como não encontro muitos autores brasileiros em Portugal. Falta uma ação do Governo, mas não tem vontade..Para quando as memórias?.A minha vidinha não é interessante, mesmo assim em alguns livros as minhas andanças aparecem relatadas. Se as pudesse inventar, aí sim. Eu gosto é de literatura, não tenho dinheiro mas me diverti, mesmo quando um livro fracassa porque acho que um dia irá ser descoberto..Recebeu o Prémio Machado de Assis e o seu colega Raduan Nassar o Camões. O seu foi muito menos polémico que o dele....Ele é uma figura muito curiosa porque disse que não ia escrever mais e cumpriu. Ficou surpreendido e até questionou que o Prémio Camões fosse pelo conjunto da obra, tendo dito que só tinha "um livro e meio". Tem as benesses do mundo académico e da comunicação social, mas é muito íntegro. Eu gosto muito do meu prémio, que também é pelo conjunto da obra: 44 livros.