Um 'back to school' pautado pelo "bicho que não queremos dizer o nome"
Entrei na escola em 1985. E em 1989 estava a saltar para a preparatória! Já lá vão uns anos... e não havia bicho!
Em "85 ia a pé para a escola.
Demorava cerca de 15 a 20 minutos, "sempre na beirinha" como dizia a minha mãe. A partir dos 10 anos, já na preparatória, passei a ir de autocarro. Eram 30 minutos bem passados, no "banco dos palermas" a rir, a dar uns calduços no amigo frente, e por vezes a levar, a contar anedotas, enfim... tudo o que era possível fazer-se sem ter um smartphone nas mãos! Lembram-se como era?
Para se falar ao telefone fora de casa, era uma carga de trabalhos! Para isso ser possível, tinhas que ser filho de alguém muito rico, pois o telefone estava no carro. E no carro, significa mesmo "no carro". Digamos que a portabilidade não tinha sido ainda inventada para estes dispositivos de comunicação... Lembro-me de ver, na televisão, o Don Johnson, com o seu blazer branco cheio de estilo, a falar ao telefone no seu descapotável. Que pintarola!
Ou ter um telefone, ou ter um pager. Se o pai de um dos teus amigos da escola tinha um pager, certamente esse teu amigo era filho de um médico ou de um advogado. Eram claramente gente de outro calibre.
E amigos com computadores nos anos 90? Eu tinha alguns. Agora é contá-los pelos dedos de uma mão quem não tem...
Eu lá saquei um Spectrum aos meus pais... quando rebenta a febre do Commodore Amiga! Timing péssimo. Encostei o Spectrum e jogava em casa do meu amigo Marinho no seu Commodore. E quando digo em casa, é em casa dele, e não em minha casa com ele na sua. Como fazem agora os nossos filhos... falam a manhã toda para um quarto vazio enquanto dão uns tiros na PlayStation. Maldito Fortnite!
Já no secundário, a minha vida digital pouco mudou. Ou pouco evoluiu vá! Usava orgulhosamente o meu Walkman preso nas Levi"s 501, e mesmo quando chegou o Discman, continuei fiel às cassetes. Não tinha 3 ou 4 plataformas de streaming disponíveis, nem músicas ilimitadas, nem tão pouco playlists à escolha. Tinha cassetes. Uma ou duas dentro da minha Monte Campo cinzenta. Escolhia em casa o que queria ouvir naquele dia e olha... quando não tinha aulas, ouvia-se de novo, em modo repeat.
O iPod só chega quando termino a licenciatura.
E nos tempos da minha licenciatura, não são os tempos de agora!
Quando não havia aulas? Não havia. Ponto.
Não havia aulas gravadas. Nem à distância. Essas coisas boas que a internet trouxe!
Trouxe, mas tarde, que a internet é coisa dos anos 90. Adiante.
Mas trouxe, é um facto. Trouxe tudo, e esse "tudo" cabe numa caixinha que se enfia no bolso.
E quando digo tudo, não são só as aulas. É mesmo tudo! A música, os filmes, os jogos e os amigos digitais, claro!
O back to school dos meus filhos é em parte semelhante ao meu quando entrei na escola primária. Ou pelo menos, e enquanto eu puder, lá vou tentando que assim seja. Só não vão a pé porque a escola é mesmo muito longe.
E também não levam tecnologia de bolso. Essa ainda fica em casa para quando voltam ao final do dia.
Já o meu back to school, visto que entrei na escola em 1985 e nunca de lá mais saí, é bem, mas bem diferente.
Para já, pouco ou nada saio de casa, e quando sair para voltar às aulas, essas serão com tecnologia de ponta (adoro esta expressão!), com blocos digitais carregados de conteúdos originais e experiências ainda mais ricas no formato presencial.
A tecnologia já tinha tomado conta de nós. E cada vez mais!
Talvez por defeito de fabrico, ou de formação, gosto de olhar para os problemas criados pelo "bicho que não queremos dizer o nome" com sentido de oportunidade. E dou por mim a pensar se não estaremos perante um momento de ruptura que poderá definir o futuro do ensino.
Oxalá!
Os modelos presenciais são factualmente e comprovadamente fulcrais. Sem dúvida.
São ricos e singulares. Certo!
São ímpares!
Mas nos tempos que correm, e da forma como nós corremos para aproveitar o tempo, não deveríamos aceitar que já não podem ser os únicos?
*Designer, Director do IADE - Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação da Universidade Europeia