Konstantin Arnold, o jovem alemão, de 30 anos, natural de Eisenhach, a 200 km de Frankfurt, espera na esplanada do lisboeta café Nicola a beber a típica bica. Não fosse o aspeto germânico passava por lisboeta a ler um jornal ao final da manhã. Arnold acaba de lançar o seu livro Libertin - Briefe aus Lissabon, que traduzido deve ler-se Cartas de Lisboa. Ao livro irá juntar-se um filme realizada pelo também alemão Pascal Thieret e com a participação das atrizes portuguesas Mariana Monteiro e Beatriz Barosa. Konstantin que tem escrito sobre Lisboa para vários jornais, entre o quais o Frankfurter Allgemeine e para a Deustche Welle, explica o que o fez escrever um livro (originalmente em alemão e que no próximo ano terá tradução para português) lançado tanto em Portugal como na Alemanha (seguem-se outros países) e sobre o que lhe vai na alma desde que conheceu Lisboa que avista da sua varanda no bairro da Graça. Como é que aparece Lisboa na sua vida? A minha primeira viagem fora da Alemanha foi a Portugal, vim fazer surf no sul do país e na zona de Lisboa. Em 2007 era uma cidade muito diferente de hoje. Depois, enquanto estava na universidade vinha a Portugal todos os anos. Mais tarde comecei a escrever para vários jornais e revistas alemãs e a viajar pelo mundo - Nova Zelândia e Austrália. E há quatro anos decidi vir viver para Lisboa..CitaçãocitacaoVivi em Arroios que era um local multicultural, duro e até perigoso, aliás, cheguei a ter uma faca apontada à garganta. Mas o que vejo agora assusta-me mais. Movido por uma espécie de amor à cidade? Quando vim cá pela primeira vez não estava mentalmente maduro para ver as coisas como as vejo agora. A boa melancolia portuguesa tem uma certa atratividade. No fundo, há um sitio onde nasces e um sitio a onde pertences, é isso que sinto em relação a Lisboa. Sou alemão e serei sempre alemão mas soube sempre que o meu local não era aquele e faz-me ser melhor pessoa estar em Portugal rodeado de portugueses..O que foi e ainda continua a ser mais difícil nestes quatro anos a viver em Portugal? A sociedade portuguesa é fechada. Recebe muito bem os estrangeiros mas é muito difícil de entrar no círculo de amigos dos portugueses. Só o consegui depois de passar a viver cá alguns anos, de falar um pouco de português e ter namorada portuguesa. Era sempre bem recebido mas não passava de mais um "bife" em Lisboa. Agora, e nos últimos anos a andar todos os dias na rua, a falar com as pessoas consegui entrar para um círculo de amigos português e sou bem aceite.. Tanto otimismo sobre a cidade, não há nada que esteja mal? Sim [risos].Vivi em Arroios que era um local multicultural, duro e até perigoso, aliás, cheguei a ter uma faca apontada à garganta. Mas o que vejo agora assusta-me mais. Vejo muitas pessoas a dormir na Almirante Reis, a serem despejadas, vejo cada vez mais abrirem lojas umas iguais às outras, a venderem telemóveis ou cheias de produtos de plástico. Agora vivo na Graça e por lá ainda tenho mercearias, padarias, com os verdadeiros portugueses e estou perto do Martim Moniz onde se vendem produtos de vários locais do mundo por pessoas honestas e simples. E há outra coisa, o preço das casas é muito alto. É quase impossível um casal jovem viver numa casa sem ter de alugar um quarto a terceiros. Por isso em Alfama quase ninguém lá vive. Os turistas veem outros turistas... E também me irrita que muita gente que venha a Lisboa prefira visitar locais porque são moda e tendência e encontram o mesmo café orgânico que existe noutra cidade qualquer ao invés de se perderem naquilo que Lisboa tem de único.. O seu livro é para estrangeiros, sobretudo os alemães, conhecerem Lisboa? É o seu ponto de vista sobre a cidade. É esse o objetivo? É uma série de três livros. O primeiro, Libertino - Cartas de Lisboa, acabado de publicar no mês passado. Depois segue-se o Kaprice, que sairá no próximo ano, e o terceiro ainda estou a escrever. Quando vim para Lisboa apaixonei-me pela cidade, pelas suas praças, pelas escadinhas nas ruas, e apaixonei-me por uma mulher portuguesa. Foi como uma espécie de iluminação que tive e senti necessidade de escrever sobre isso. Por isso o livro não é para mostrar Lisboa aos viajantes mas sim como um jovem estrangeiro consegue misturar-se e contribuir na sociedade. Para além da minha necessidade quase física de escrever sobre a beleza poética de Lisboa..Relacionado com o livro há um filme a ser preparado... O guião ficou pronto em dezembro e agora estamos à procura de investidores, o que não é fácil. O filme é baseado no livro. O diretor, Pascal Thieret, fez um ótimo trabalho ao transportar a história e a poesia do livro para o filme sem perder nada. O nosso objetivo é filmar até ao final deste ano e estreá-lo no próximo ano em Lisboa..A pandemia mudou a cidade? Que me perdoem todos aqueles, e foram muitos, que sofreram com a covid-19, mas foi um ano muito bom para termos a cidade de Lisboa de volta. Foi uma experiência surreal..E aos portugueses, também os tem descoberto? São muito emocionais e melancólicos, mas vivem felizes com isso. Os portugueses são únicos, foram para o mar, foram para outras terras e têm pessoas de várias nacionalidades e origens que vivem aqui pacificamente... Acho que o meu livro pode ser interessante para os portugueses lerem sobre a sua sociedade de ponto de vista de um estrangeiro a viver em Lisboa.. Foi através dessa, digamos, paixão, amor, que decidiu que estava na altura de lançar um livro? Não. Eu escrevo naturalmente e não tinha pensado escrever um livro. Andava a escrever muito e um editor português incentivou-me a publicar, infelizmente não avançou com a publicação mas como o livro já estava feito andei a tentar traduzi-lo para português, mas até agora não foi possível, será no próximo ano. Por isso decidi publicar o livro em alemão, mesmo em Portugal. Por agora está disponível em algumas das livrarias antigas de Lisboa. E agora vou andar pela Alemanha e Suíça para fazer sessões de leituras do livro e falar sobre Lisboa..E os próximos livros da trilogia serão muito diferentes? Sim, porque são tempos espaciais diferentes e eu sou hoje uma pessoa diferente..E escritores portugueses quais são os que mais gosta de ler? Fernando Pessoa é o meu favorito. Amo-o e odeio-o ao mesmo tempo. Tem coisas geniais e outras que nem tanto, mas adoro, e acho que pelo trabalho que fez e pela forma como escreveu devia ser muito mais reconhecido no mundo. Também gosto de poemas de Cesário Verde e tento ler Eça de Queiroz, mas não é fácil..E o futuro? Passa por escrever livros e a beber bicas no Nicola? Quero morrer aqui [risos[. Sempre que vou a algum lado por uma série de dias fico com saudades de Lisboa..<p> filipe.gil@dn.pt</p>