Triplo homicida saía em precárias para comprar droga que traficava na cadeia
Foi na prisão de Coimbra que Rui Mesquita Amorim, um homem de Viana de Castelo que foi condenado a duas penas de cadeia - 20 anos por um triplo homicídio em 1995 e 12 anos e meio, em cúmulo jurídico, por evasão e rapto em 2002 - conheceu Fernando Borges, conhecido como Trico e que era o alegado líder do Gangue de Valbom. Quando este saiu em liberdade em 2017, Rui aproveitou as saídas precárias que lhe eram concedidas para adquirir droga ao ex-companheiro de reclusão. Até Trico desaparecer, em julho de 2018, de forma misteriosa. A PJ suspeitava do recluso do Minho e investigou-o. Acabou por descobrir que usava duas mulheres para colocar a droga no interior da cadeia, onde vendia, com uma das mulheres a ceder uma conta bancária para receber os pagamentos através de transferências. Na ordem dos milhares de euros em poucos meses.
Enquanto Trico continua desaparecido, com a investigação da PJ em aberto, Rui Mesquita Amorim, um outro recluso de Coimbra e as duas mulheres, ambas em preventiva, vão começar a ser julgadas esta segunda-feira, dia 16, no Porto, pelos crimes de tráfico de estupefacientes agravado e branqueamento de capitais.
Rui Mesquita Amorim é um profissional do crime. Natural de Portuzelo (Viana do Castelo), este homem de 48 anos foi paraquedista e trabalhou depois como segurança na noite. Em 1996 foi condenado a 20 anos de prisão pelos crimes de homicídio de três familiares - os tios, homem e mulher, e um primo, em Vila Fria, Viana do Castelo. Em tribunal nunca explicou o motivo de tão brutal crime, cometido à facada em agosto de 1995, mas os investigadores policiais suspeitavam que existiria um negócio ilícito, provavelmente droga, como móbil. Os juízes realçaram, na altura, "a perversidade, malvadez, ferocidade e crueldade".
Estava a cumprir pena na cadeia de Vale de Judeus quando no dia de Natal de 2001 aproveitou uma ida ao hospital de Vila Franca de Xira para se evadir. Rui Amorim terá partido um dedo propositadamente para seguir para o hospital sem estar algemado. A carrinha celular da Direção Geral dos Serviços Prisionais foi atacada a tiro por três indivíduos e Rui Mesquita Amorim escapou-se.
Apesar de ter sido montada uma operação para a sua captura, em abril de 2002 regressou a Viana do Castelo e, com ajuda de outro homem a quem prometeu 25 mil euros, sequestrou uma família - do seu antigo patrão - com o objetivo de pedir resgate. Libertou-os após ter ficado convencido que iria receber 200 mil euros mas acabou por ser detido pela PJ em Lousada. Foi depois condenado por rapto e extorsão e, em cúmulo jurídico com o crime de evasão e detenção de arma ilegal, apanhou uma pena de 12 anos e seis meses, a cumprir sucessivamente à de 20 anos pelo triplo homicídio.
Este homem solteiro acabou por beneficiar de saídas precárias quando cumpria pena em Coimbra. E desde 2017 aproveitava as saídas para fazer as aquisições de droga e montar o esquema que permitiria receber o dinheiro sem levantar suspeitas.
De acordo com a PJ e o Ministério Público, Rui Mesquita Amorim comprava a heroína a Fernando Borges, conhecido como Trico e tido como o líder do Gangue de Valbom, um grupo de homens jovens originário deste bairro de Gondomar que se destacou há anos por inúmeros roubos à mão armada e uma tentativa de homicídio de um inspetor da PJ. Trico tinha cumprido pena de prisão em Coimbra (foi libertado em abril de 2017) onde conheceu Rui Mesquita Amorim. De acordo com relatórios que constam do processo, os dois homens encontraram-se algumas vezes na Póvoa de Varzim e Viana do Castelo, entre dezembro de 2017 e o início de julho de 2018, sendo a transação de droga o elo que os ligava.
Foi o desaparecimento de Trico que levou a PJ na peugada de Rui Mesquita Amorim. O homem do Gangue de Valbom saiu de casa no dia 1 de julho para se encontrar com Rui e nunca mais foi visto. O seu automóvel foi no dia seguinte encontrado em Vila do Conde, abandonado. Os sinais no Mini indiciavam que se tinha passado algo de grave: havia sangue, cabelos e marcas de patadas. Nunca mais se soube do paradeiro de Trico.
Nesse dia 1 de julho de 2018, familiares e amigos de Fernando Borges foram a Viana do Castelo interpelar Rui Amorim. Sabiam que Fernando iria encontrar-se com ele. Apesar de ter sido "apertado", disse que não sabia onde estava Trico, admitindo ter havido um encontro que terminou com normalidade. Nessa madrugada, Rui Mesquita Amorim deu entrada no Hospital de Viana do Castelo após ter sido agredido com violência. Interrogado pela PJ, nunca disse quem cometeu a agressão e repetiu nada saber de Trico.
As suas explicações não convenceram os investigadores. Foi montada vigilância ao suspeito que estava no último dia de precária, a 4 de julho. Foi então que detetaram um encontro com uma mulher e começa aqui a nova vertente da investigação, que mais tarde foi direcionada para o tráfico de droga que ocorria no interior da prisão de Coimbra.
Rui Mesquita usou esta mulher, que já antes o visitava na cadeia, para servir como correio de droga e também ser o elo de branqueamento de dinheiro. A mulher, de 43 anos, desempregada e residente no Porto, permitiu que uma conta bancária aberta em seu nome fosse utilizada para os compradores da droga transferirem o dinheiro. Após o encontro com Trico, o cadastrado entregou à mulher 60 gramas de heroína e deu instruções para que procedesse à preparação, 'cortagem' com outros produtos e embalagem. Depois a mulher enviou pelo correio duas embalagens, sob a forma de chouriços, colocados em pacotes de bolachas, para uma outra mulher em Aveiro. Esta é casada com outro recluso, a cumprir pena em Coimbra por crimes de roubo e sequestro e que funcionava como parceiro de negócio de Rui Amorim.
A PJ seguiu o rasto e veio depois a descobrir que a conta bancária tinha recebido, até 31 de julho de 2018, mais de 12 mil euros em dez transferências bancárias que o MP diz serem pagamentos da droga vendida na cadeia. Há transferências de 3750 euros, 2000, 500 ou 70, entre outros valores. Após o dinheiro entrar na conta, a mulher fazia levantamentos constantes em numerário, dinheiro que guardava em sua casa. Este dinheiro era depois encaminhado por Rui, sempre através da mesma mulher, para a sua família em Viana do Castelo. Numa ocasião, a mulher foi deixar na caixa de correio da residência da mãe do recluso um envelope branco com cinco mil euros no interior.
"O arguido, ao determinar que os pagamentos de estupefaciente que lhe era adquirido fosse pago através de depósitos e transferências para a conta bancária" da mulher, fê-lo com o "intuito de mascarar a origem ilícita do dinheiro", diz a acusação do MP.
Em dezembro de 2018, o esquema cai por terra quando a mulher de Aveiro é detida ao tentar entrar na cadeia de Coimbra com 29 gramas de heroína, colocadas num preservativo e escondidas nos genitais.
Foi extraída uma certidão do processo principal, do desaparecimento, de Trico. Em fevereiro passado foram efetuadas buscas na casa desta mulher, no Porto, onde foram apreendidos 37 gramas de heroína e mais de 12 mil euros em dinheiro, escondidos em três locais diferentes. Mas havia mais. Na casa da sua mãe, em Gaia, a PJ encontrou no interior de uma almofada mais de 300 gramas de heroína. Foi a arguida que na presença dos inspetores indicou onde estava a droga e o dinheiro, afiançando que pertenciam a Rui.
Ao juiz esta mulher disse que se tinha apaixonado quando começou a visitá-lo na prisão e acabou a ser usada mas no despacho que decretou a sua prisão preventiva, o magistrado não se mostrou convencido, apontando que já não era uma criança e tinha colocado droga em casa da mãe, numa ação muito reprovável.
Com os dois homens presos, em cumprimento de pena, e as mulheres em prisão preventiva, o julgamento tem início na segunda-feira no Tribunal de São João Novo, no Porto. Rui e a mulher estão acusados de tráfico de droga agravados e branqueamento de capitais, enquanto o outro casal de Aveiro vai responder apenas por tráfico agravado.
Fernando Borges continua desaparecido e as autoridades suspeitam que Rui Mesquita Amorim possa estar ligado. Inicialmente a PJ do Porto tratou o caso como rapto. Chegaram a acontecer dois telefonemas para a família do desaparecido, em que seria exigido um resgate de 115 mil euros. Mas nunca foi dada uma prova de vida de Trico pelos supostos raptores e os telefonemas pararam logo a seguir.
As suspeitas passam por um ajuste de contas ligado ao tráfico de droga. O envolvimento de Rui Mesquita Amorim permanece em aberto mas haverá outras pessoas ligadas ao crime. O inquérito está ainda aberto e nesta certidão do tráfico de droga na prisão é referido, em relatórios mais recentes, da PJ que existe a possibilidade de ter havido homicídio, já que o passados tantos meses já não é crível que se limite a um rapto. Mas não há certezas.