"O Sr. Perito cuja credibilidade não mereceu reparos ao tribunal "a quo" [o tribunal inferior], nem a este tribunal merece". Esta é uma das referências feitas ao médico ortopedista Carlos Durão, que fez a autópsia de Ihor Homeniuk, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu sobre os recursos interpostos por arguidos, assistente e Ministério Público da decisão do Tribunal Criminal de Lisboa no caso da morte do cidadão ucraniano..Noutra passagem da decisão, as três juízas desembargadoras que assinam o acórdão chegam até a dizer que Carlos Durão não só tem capacidade para realizar autópsias como está especialmente habilitado para a determinação da causa da morte no caso de Ihor, já que em causa estavam fraturas de costelas: "Não restam dúvidas que não só o Sr. Perito se mostra mais do que habilitado a realizar a perícia que lhe foi pedida como, no caso, dada a área original de atividade médica em que se especializou (ortopedia), dispõe de conhecimentos nesta matéria, que não são igualáveis pelas especialidades de medicina interna e/ou medicina legal apenas.".E relevam o facto de Durão exercer funções de perito no Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) "desde 2007 até finais de 2020", tendo aí realizado "mais de 1200 autópsias", apontando também a sua experiência anterior no Brasil (é lusobrasileiro): "Anteriormente, ainda no Brasil, teve muita experiência com lesões e rupturas, no âmbito do serviço que prestou na polícia civil do Rio de Janeiro.".Como é sabido, a falta de credibilidade técnica de Carlos Durão, que além de ter realizado a autópsia de Ihor é também autor da de Valentina (a criança morta em maio de 2020 cujo pai seria, em novembro, condenado pelo Tribunal da Relação de Coimbra a 24 anos de prisão pelo seu homicídio), foi um dos argumentos mais usados pela defesa dos três inspetores. Esta chamou desde o início - ainda na fase da contestação à acusação do Ministério Público - a atenção para o facto de se tratar de um clínico sem a especialidade de medicina legal, apresentando um parecer de especialistas nesta disciplina a refutar as conclusões da autópsia, apontando vários erros na mesma e aventando que a morte se poderia afinal ter devido a causas naturais..Já na audiência no Tribunal da Relação, a defesa invocou o "chumbo" de Carlos Durão, noticiado publicamente no início de outubro, nas provas que prestou para acesso à especialidade de medicina legal, acusando-o de "violação das leges artis" (as regras da arte médica) e de violar o artigo do Código Deontológico dos Médicos que estabelece que "um médico não deve ultrapassar os limites das suas qualificações e competências." E requereu que as autoras do citado parecer médico-legal fossem ouvidas pelas três desembargadoras..Estas, porém, recusaram quer essa audição quer até que as médicas especialistas em medicina legal que elaboraram o parecer para a defesa possam ser denominadas de "peritas": "As Exas subscritoras do dito parecer, não podem, neste processo e dentro destes condicionalismos legais, ser consideradas nem como peritas, nem sequer como consultoras, (...) uma vez que nenhuma delas foi nomeada como perito pelo INML.".O mesmo, porém, frisam as juízas, não sucede "no que se refere à perícia realizada pelo perito designado pelo INML pois, nesse caso (...) o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador sendo que, sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência.".E, analisando as objeções e críticas da defesa à perícia realizada por Durão, nomeadamente no que respeita à ausência de radiografias do cadáver e de "exames específicos a órgãos", consideram-nas "sem suporte". Concluindo: "Analisado o relatório de autópsia e os esclarecimentos prestados, não se vislumbram razões para se questionar quer os fundamentos, quer o juízo científico expresso na perícia.".Contactado pelo DN, Carlos Durão regozija-se: "É evidente que o reconhecimento do nosso trabalho em tribunal é algo que todo o médico legista deseja. Eu tenho a consciência tranquila de que cumpri o meu dever. Não é muito difícil perceber que este e outros casos criam 'anticorpos', mas quero continuar a acreditar no valor das instituições. Quem me conhece sabe que continuarei a acreditar no valor da medicina legal para a nossa sociedade e o papel do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses em servir a Justiça, pela busca da verdade."