A Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas entra esta terça-feira na reta final, com o início das votações na especialidade (artigo a artigo) dos três diplomas que se propõem apertar o escrutínio ao desempenho de cargos políticos e altos cargos públicos. Um contrarrelógio (o prazo para o funcionamento da comissão termina esta semana) que começa na manhã de hoje, com a regulação do lobbying - a representação de interesses privados junto de entidades públicas. Na quarta-feira será a vez do anteprojeto que define o exercício de funções públicas e a apresentação de uma declaração única de rendimentos e património. Na quinta-feira serão votadas as alterações ao Estatuto dos Deputados..Os três anteprojetos resultam da fusão de propostas dos vários partidos e foram já objeto do parecer de várias entidades, caso do Tribunal Constitucional (TC) - que é diretamente visado na proposta que regula o exercício de funções pelos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, a declaração de rendimentos e património que têm de apresentar e as sanções a aplicar, em caso de incumprimento. No âmbito deste diploma é criada uma nova Entidade da Transparência, um organismo administrativo independente que funcionará na esfera do Constitucional. E se o TC não se pronuncia sobre a medida em si - que "cabe em exclusivo ao legislador" -, é muito claro a repetir o alerta de que não dispõe de meios para cumprir as novas competências.."A criação junto deste Tribunal da Entidade Fiscalizadora da Transparência reclama, tanto pela nova instituição em si como, reflexamente, pela sobrecarga da estrutura administrativa do próprio Tribunal Constitucional, o comprometimento de meios humanos e materiais - a começar pelo espaço de instalação - que não estão ao alcance dos recursos ao nosso dispor", refere o documento..A falta de recursos tem sido uma queixa recorrente do TC. Logo quando tomou posse, em 2016, o atual presidente da instituição, Manuel da Costa Andrade, levou essa mensagem ao Parlamento, na altura centrada na Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, que fiscaliza o financiamento dos partidos. Mas a mesma questão já se pôs com a fiscalização das declarações de rendimentos dos políticos (que já existe, mas que será agora concentrada num documento único e abrangendo um maior número de cargos), nomeadamente quando, em 2018, foi detetada uma situação de incompatibilidade do ministro Pedro Siza Vieira, que não foi previamente identificada pelo TC. Manuel da Costa Andrade recusou então que tenha havido uma falha, sublinhando que o Ministério Público (que analisa as declarações e as submete ao TC se encontrar falhas) tem "centenas de declarações para analisar, centenas"..Face à referida falta de meios, o parecer que agora está no Parlamento, assinado pelo próprio Manuel da Costa Andrade, sugere que os deputados recuperem uma norma que constava do projeto do PS, e que caiu na versão conjunta - que os recursos financeiros necessários à concretização das novas medidas fiquem contemplados no Orçamento do Estado..O texto enviado ao Parlamento sublinha ainda que é necessário "cuidado" no sentido de "preservar a identidade do modelo de Tribunal Constitucional consagrado na Constituição, como órgão cuja função primordial é a de "administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional"..Nova Entidade da Transparência levanta as "maiores reservas".Outra instituição chamada a pronunciar-se sobre as medidas para a transparência foi a Provedoria de Justiça, liderada por Maria Lúcia Amaral (que já foi vice-presidente do TC), que manifesta as "maiores reservas" à criação da Entidade da Transparência. A começar por um argumento próximo ao do próprio Tribunal, que a Provedoria enuncia de forma mais taxativa: "É de evitar sobrecarregar ainda mais o Tribunal Constitucional - através de uma entidade criada na sua dependência - numa área que é estranha àquilo que especificamente lhe compete nos termos da Constituição"..A Provedoria defende também que a "criação de uma entidade de raiz tem o inconveniente de desperdiçar o conhecimento e a experiência acumulada ao longo de anos pelo Ministério Público no Tribunal Constitucional que, com meios limitados, tem conseguido exercer a função de fiscalização". A criação da nova entidade, acrescenta o documento, "representa inclusive um retrocesso em relação ao regime atualmente em vigor quanto aos titulares de altos cargos públicos, cuja fiscalização compete à Procuradoria-Geral da República"..A Provedoria de Justiça visa ainda o regime de acesso público à declaração de rendimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, considerando que este é "particularmente merecedor de crítica", na medida em que é "excessivamente restritivo", nomeadamente por limitar a informação disponível para consulta ao "número total de bens" do autor da declaração. Esta é, no entanto, uma questão que ainda não obteve consenso entre os partidos e que poderá ser alterada no decorrer das votações..A criação da nova entidade fiscalizadora - proposta pelo Bloco de Esquerda e que tem a concordância de princípio do PS e PSD - também já mereceu duras críticas do PCP, que fala até em "alguma policialização da atividade política". Para a bancada comunista, esta é uma novidade "perfeitamente dispensável". "Mesmo alargando o universo de titulares de cargos a apresentar declarações, era possível manter as [declarações de rendimentos] que são entregues presentemente no TC. A fiscalização, tal como existe hoje, deve pertencer unicamente ao Ministério Público", defendeu na passada semana o deputado do PCP António Filipe.