O pai das Doce. O homem que as inventou e escreveu as melhores canções. Tozé Brito no final dos anos 1970 teve a ideia de criar um quarteto feminino quando se afastou da interpretação. As Doce nascem de uma ideia sua em conjugação com a Polygram, a editora da qual se tornou A&R. Agora, foi também consultor do filme mas garante que Patrícia Sequeira teve liberdade total. Está muito satisfeito com o resultado..O que o surpreendeu mesmo no filme?.O desempenho das atrizes! Conseguiram apanhar muito bem a personalidade das 4 Doce e não era nada fácil. Depois, surpresa, cantam incrivelmente bem! Hoje, em estúdio, até poderiam ser as Doce! Quatro excelentes atrizes que ainda por cima cantam e muito bem. Quanto ao filme em si, chateia-me a falta de movimento em geral do cinema português, ou seja, aquela coisa da câmara parada e do plano fíxo, mas aqui é ao contrário. A Patrícia fez um filme com todo um movimento que me agrada. Trata-se de uma estética que tem a ver com a música. E musicalmente tudo está muito bem conseguido, sobretudo porque estamos a falar de "covers". Gostei muito!.Depois temos Eduardo Breda a fazer um Tozé Brito muito perfeito. É como se ele tivesse percebido os seus maneirismos mais subtis....As pessoas nem fazem ideia das conversas divertidíssimas que tivemos os dois! Ele é porreiríssimo mas não nos conhecíamos de lado nenhum. Um dia ligou-me a dizer que iria ser o Tozé Brito no filme das Doce. Ri-me e disse-lhe logo que o queria conhecer. Pediu-me para lhe contar tudo sobre mim. A primeira coisa que lhe disse é que estava sempre a fumar. Compunha, bebia, trabalhava sempre com um cigarro, naquela altura era assim - o que vemos no filme não é exagerado. Foi também importante aquele tipo de roupa que usava, aquelas calças à boca de sino e as camisas cintadas dos anos 1970... Com tudo isso e muitas imagens minhas que viu criou um boneco. Um boneco que não é caricatural nem está numa tentativa exagerada de colagem. Revejo-me nele. Em 1979 tinha 28 anos, era um puto!!.Em que consistiu a sua consultoria no filme?.A Patrícia ia-me perguntando coisas, como é que tudo se tinha passado. Com os factos fizeram ficção. Depois, claro, pedi-lhes para olhar para o guião. Era importante que, por exemplo, os termos musicais estivessem corretos e ainda corrigi duas ou três coisas. Fui o único que teve acesso ao guião. Insisto: o que está no filme corresponde exatamente ao que eram as Doce..O filme, tal como o próprio projeto das Doce foi capaz, realça uma certa importância da cultura pop no imaginário português, não sente isso?.Por completo! Era importante que as Doce fossem também diversão pura e dura! A ideia era bora divertirmo-nos e cantar. As Doce eram festa, dança, alegria e copos! Não era alienação coisa nenhuma, porra! Funcionava como escape, como panela de pressão a rebentar! Só ouvíamos falar do FMI e estávamos com a economia de gatas, enfim, este país era apenas paz, pão e educação... De repente, surge algo diferente para largarmos esse estado mental..Com o filme também ficamos também a refletir se aquelas suas letras para as Doce não seriam demasiado eróticas para a época. Passado este tempo o que sente?.Eram ousadas, eram... Mas com uma erotização q.b.. Fui aprendendo um hábito de escrita com outras pessoas da literatura, nomeadamente com o Ary dos Santos: pensar qual o público para o qual escrevemos. O problema é que nas Doce era uma chatice: apontava também para um público de crianças de escola primária. Foi a primeira vez que tive de apontar para diversos públicos...Tive de ter sempre em conta duas coisas: não ultrapassar o vermelho para não cair na ordinarice e não escrever algo que ofenda as mulheres. Por isso, a frase "quem ama não cansa"... As pessoas perguntavam o que queria dizer com aquilo. E as atrizes e a realizadora também brincaram comigo quando começaram a pensar no queria insinuar com "dois dedos de magia" no Bem Bom....O ator que faz de Tozé Brito é uma das revelações do filme. Ao DN contou que foi um privilégio e uma grande responsabilidade transformar-se num ícone da música portuguesa: "Lembro-me da generosidade e da empatia na nossa primeira conversa. Falámos muito de música, do nosso passado no Porto e da vinda para Lisboa. Os ensaios de preparação que antecederam a rodagem foram fundamentais para me relacionar com o restante elenco, assim como com a história da música em Portugal durante os anos 70,80, 90, e construir uma personagem capaz de atravessar o enredo. O facto de ter muitas referências musicais, visuais, também me ajudou bastante para me aproximar da história que queremos contar. Uma das maneiras que tive de me aproximar não só do que a Patrícia pedia para o projeto, mas também do Tozé, foi através de um livro de cifras com músicas dele. Pedi um teclado emprestado e isso também fez parte do estudo. Todos os dias, durante aqueles dois meses de rodagem, sentia a responsabilidade de interpretar alguém que está vivo. No entanto, é sempre melhor quando sentimos uma empatia, quando gostamos da pessoa que estamos a representar".