Ex-procurador suspeito de ajudar Manuel Vicente em dois processos

Ministério Público diz que procurador começou a receber dinheiro estando ainda em funções. Objetivo seria "limpar" processos de Manuel Vicente antes de este chegar a número dois de Eduardo dos Santos
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Pela primeira vez, um alto responsável político de Angola foi formalmente acusado pelo Ministério Público português: Manuel Vicente, atual vice-presidente da República de Angola, é suspeito de corrupção ativa sobre um ex-procurador da República, Orlando Figueira, que o investigava. A acusação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) refere que o primeiro pagamento, de 130 mil euros, ocorreu em dezembro de 2011, numa altura em que orlando Figueira ainda não tinha saído do Ministério Público. Objetivo: arquivar todos os processos do então presidente da Sonangol, que pudessem comprometer as suas aspirações políticas.

Aquele primeiro pagamento foi, segundo descreve a acusação do MP (deduzida uma semana antes do prazo), feita através de um financiamento contraído por Orlando Figueira junto do Banco Privado Atlânico Europa (BPAE), a 7 de dezembro de 2011. Um crédito que, segundo os elementos recolhidos pela investigação, foi concedido sem "nenhum tipo de garantia real ou pessoal". "Tal financiamento foi concedido por indicação de Manuel Vicente e destinava-se a ocultar o facto de tais fundos serem provenientes" do atual vice-presidente de Angola, referem as procuradoras Inês Bonina e Patrícia Barão, acrescentando que, apesar do contrato de mútuo, não era suposto o banco vir a ser reembolsado. Isto mesmo foi confirmado pela investigação: "Desde a data de atribuição até pelo menos ao dia 23 de fevereiro de 2016, apesar de dispor de fundos, Orlando Figueira não liquidou o empréstimo".

Segundo a acusação, este financiamento foi a primeira contrapartida paga ao magistrado, depois deste ter aceite um requerimento do advogado Paulo Blanco (também acusado de corrupção ativa em co-autoria), que representava Vicente, para fornecer documento para um dos processos que envolvia o então presidente da Sonangol.

A 9 de janeiro de 2012, Orlando Figueira abriu uma segunda conta no BPAE, ao mesmo tempo que separou as suspeitas de Manuel Vicente de um processo relacionado com outras figuras do estado angolano, arquivando caso contra Manuel Vicente a 12 de janeiro de 2012. A investigação da Unidade Nacional Contra a Corrupção da Polícia Judiciária, fazendo uma linha do tempo, verificou que a 16 de janeiro de 2012 foi creditado nesta segunda conta o montante de 210 mil dólares. O BPAE foi constituído arguido por suspeitas de branqueamento de capitais, porém não foi acusado. Para o MP houve "negligência" na falta de comunicação destas operações, uma vez que o próprio banco sabia que Figueira era procurador do MP e, por isso, as suas contas deveriam estar sob vigilância apertada.

A investigação detetou ainda pagamentos a Orlando Figueira feitos através da sociedade Primagest para contas no Principado de Andorra. Ao todo, Orlando Figueira é suspeito de ter recebido 700 mil euros, 500 mil dos quais estão apreendidos no processo. As procuradoras do DCIAP consideraram que o antigo procurador teve outras contrapartidas, como um emprego no Millennium BCP, sendo depois transferido para o Acticv Bank, que pertence ao mesmo grupo. Além de Vicente, Orlando Figueira Paulo Blanco, o Ministério Público acusou ainda Armando Pires, representante em Portugal do vice-presidente de Angola.

Em comunicado, o advogado de Manuel Vicente considerou que o processo poderá ser declarado nulo, porque, segundo Rui Patrício, o seu cliente "nunca foi sequer ouvido", o que, referiu em comunicado, "o que constitui obrigação processual fundamental". Por sua vez, o Ministério Público disse em comunicado que a acusação será notificada ao número dois de Angola através de Carta Rogatória. Já Paulo Blanco, também em comunicado, assegurou que "sempre pautou e pautará a sua conduta segundo as regras profissionais".

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