Tancos. Chefe das secretas deixa mais dúvidas do que respostas no parlamento
Não se saiu muito bem a secretária-geral dos Serviços de Informações na audição desta quarta-feira na Comissão de Inquérito ao furto de Tancos. Os deputados, principalmente do PCP e do CDS, insistiram para obter esclarecimentos sobre a avaliação que as secretas fizeram antes e depois do assalto a Tancos e suas consequências, mas ficaram sem as respostas pretendidas.
Graça Mira-Gomes chegou a invocar o sigilo numa das questões, mas na maior parte dos casos simplesmente assumiu desconhecer o que estava em causa - a justificação quase sempre foi que não estava em funções à data dos acontecimentos.
Alegou que a coordenação e a comunicação entre os serviços de informações, as Forças Armadas e as Forças de Segurança "funciona", mas assumiu, tal como o seu antecessor Júlio Pereira, que não teve conhecimento que a Polícia Judiciária Militar (PJM) teria informação, em março de 2017 (três meses antes do assalto), que estava em curso um plano para roubar instalações militares.
Questionada pelo PCP sobre a avaliação que fazem na segurança de infraestruturas críticas, como os paióis de Tancos, apontou essa responsabilidade às Forças Armadas, designadamente através das secretas militares, o CISMIL (Centro de Informações de Segurança Militares).
Questionada também sobre se o grau de ameaça significativo se mantinha em relação ao tráfico de armas, também não soube responder. "Não estou em condições de avançar mais sobre essa matéria", disse.
Para surpresa dos deputados, revelou também que entre o roubo e o reaparecimento do material, as secretas se afastaram do caso, uma vez que "quando começa uma investigação criminal os serviços de informações saem de cena". "Então, mas não estão no terreno, a falar com as vossas fontes para tentar saber quem se está a movimentar nesses meios criminais?", insistiu o PCP. Ficou sem resposta.
A chefe das secretas não soube explicar, por exemplo, se a "lista de compras" de uma organização de tráfico de armas internacional, que o Serviço de Informações de Segurança (SIS), da sua tutela, teve conhecimento antes do roubo, coincidia em parte, pelo menos, com o material furtado.
Esta informação foi partilhada pelo SIS na primeira reunião da Unidade de Coordenação Antiterrorista (UCAT), dois dias depois do assalto. O deputado comunista, Jorge Machado, insistiu em saber o que tinham o serviços feito com essa lista e se, depois, se confirmou que o material pretendido pelos traficantes era ou não semelhante ao que desapareceu dos paióis.
Graça Mira-Gomes começou por dizer que eram "processos distintos" e apesar da insistência de Telmo Correia, do CDS, invocou sigilo para não responder sobre se coincidia ou não.
Este esclarecimento seria relevante para perceber até que ponto os serviços de informações partilham este género de conhecimento com as autoridades competentes - no caso as Forças Armadas e as polícias - de forma a prevenir um crime. Sobre isto, o ex-chefe das secretas, Júlio Pereira, confessou na audição que lhe tinha "escapado".
O PSD confrontou a chefe das secretas com uma declaração do primeiro-ministro, António Costa, segundo a qual, a secretária-geral do Sistema de Segurança Interna, Helena Fazenda (que vai ser ouvida esta quinta-feira), lhe tinha transmitido que logo na primeira reunião da UCAT (a mesma da "lista e compras) tinham sido afastadas ligações de organizações terroristas ou de criminalidade organizada.
Conforme é sabido, esta é uma das linhas de investigação do Ministério Público e, como a própria assumiu na audição, esses foram cenários equacionados nas avaliações das secretas. "Os serviços de informações produziram vários documentos de análise com vários cenários, incluindo hipóteses de ligações a criminalidade organizada e mesmo a atividades terroristas. É esse o nosso trabalho. Normalmente não fazemos documentos a dizer que é tudo um mar de rosas" sublinhou.
Notoriamente atrapalhada, optou por dizer que "perante os vários cenários que lhe foram apresentados, o primeiro-ministro optou por um deles", reforçando que "apesar de Portugal estar inserido no contexto europeu e não se poder deixar de estar atentos a esses fenómenos, não há nenhuma ameaça específica dirigida a Portugal".
Graça Mira-Gomes acompanhou a tese que o seu antecessor já tinha defendido na sua audição, considerando "descabida" também a hipótese (que está a ser investigada pelo MP) que tivessem sido elementos da ETA a encomendar o assalto. "Nessa altura a organização já não tinha qualquer atividade", salientou.
De acordo com a sua análise, "baseada nos relatórios de acompanhamento regular que os serviços fazem sobre o tráfico de armas", este mercado em Portugal "é de oportunidade, de pequena escala, normalmente ligado a outros ilícitos, mais relacionados com armas ligeiras".
Por outro lado, afirmou que, "não há conhecimento que existam organizações criminosas internacionais com interesse e capacidade para levantarem este tipo de material no nosso país e levá-lo para zonas de conflito". Recorde-se que três das pistolas Glock roubadas à PSP foram apreendidas nas mãos de criminosos em Ceuta, pelas autoridades espanholas.
Esta quinta-feira será ouvida a secretária-geral do Sistema de Segurança Interna.
Neste momento, a investigação a Tancos, que junta os inquéritos do furto e do reaparecimento do material, tem duas dezenas de arguidos. Os crimes indiciados são terrorismo internacional, associação criminosa, tráfico de droga, furto, detenção e tráfico de armas, tráfico de influência, e denegação de justiça e prevaricação, falsificação de documento e abuso de poder.
Entre o material furtado estavam granadas, incluindo antitanque, explosivos de plástico e uma grande quantidade de munições.