Tancos: "A PJ não nos passou a perna", diz militar

O único memorando que foi apreendido na investigação refere o interesse da PJ Militar em encerrar o caso de Tancos e adiantar-se à PJ civil.
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O único memorando que foi encontrado pela investigação à encenação da devolução do material de Tancos estava no gabinete do diretor da PJ Militar, coronel Luís Vieira, e foi assinado pelo líder da investigação, Vasco Brazão, mas não faz qualquer referência ao conhecimento da tutela ou do ministro da Defesa. Esta carta pede agradecimentos e louvores aos militares da GNR e da polícia que integraram a investigação.

Fá-lo em função da manutenção do "espírito de corpo", mas também por causa da perigosidade da situação em que se encontrariam os participantes. "Verifica-se, atentos ao desenrolar dos acontecimentos, que a situação não culminou (terminou), havendo mais a fazer e o risco sobre as suas pessoas mantém-se, quer por parte da Polícia Judiciária e do Ministério Público quer por parte de quem efetuou o 'furto do século'", diz o memorando, a que o DN teve acesso.

O memorando data de 13 de dezembro de 2017, numa altura em que a PJ suspeitava de que a PJ Militar já sabia da investigação de que era alvo. As palavras do major Vasco Brazão teriam portanto esse significado - ele pretendia a proteção dos homens que participaram na investigação, até da "ameaça" da própria PJ, que já estaria em cima do caso. Este memorando é, aliás, muito explícito em relação ao objetivo de que a investigação se antecipasse à PJ. "E, ao contrário de outras investigações, a PJ não nos passou a perna", diz, explicitamente.

"Após a recuperação do material, tivemos de saber reagir onde a PJ é muito forte - nos órgãos de comunicação social e junto do MP", continua Brazão. " Segundo a explicação do militar, a recuperação do material ajudou a dar de novo crédito à investigação e à instituição militar. "Se o material ainda não tivesse aparecido, como estaria agora a imagem do exército e dos órgãos de investigação? E a ameaça de terrorismo sobre a sociedade civil numa época tão propícia a especulações como iria ser gerida pela PJ e OCS?", questiona. Conclusão: "A PJM nunca antes teve tanta visibilidade e, em nossa opinião, uma visibilidade muito positiva, apesar de todos os ataques dos nossos 'amigos'" - uma referência que parece dirigida à PJ civil.

Neste memorando diz-se que o "objetivo primordial" da ação - que não é descrita em pormenores nem referida como uma encenação - era a "recuperação do material" roubado. E que a recuperação do material resultou de uma "excecional visão estratégica" que deu novo fôlego ao caso Tancos. Ou seja, dá-se gás à ideia de que a Polícia Judiciária Militar estaria interessada em resolver o processo rapidamente - ainda que à custa de não deter o culpado, ou um dos culpados, uma vez que não se conhecem os outros.

No memorando propõe-se um agradecimento formal e "uma proposta de louvor a ser entregue em mão no gabinete do general comandante da GNR. Todos os militares envolvidos são merecedores de ser justamente louvados pelos respetivos ministros" e, para três deles, "serem agraciados pelo Presidente da República".

Vasco Brazão fala também da esperança de que "a PSP irá solicitar a cooperação para a investigação do furto das Glock" - refere-se ao roubo de 57 Glock da PSP - e, também nesse processo, precisará do núcleo de investigação criminal da GNR de Loulé "para a obtenção de resultados", manifestando esperança de que, "no decorrer destas diligências, possamos chegar às munições de Tancos ainda em falta". Aqui dá também a ideia de que a PJ Militar poderia considerar que haveria uma rede de roubo de armas com a qual o caso de Tancos estaria relacionado. Três das Glock roubadas foram encontradas nas mãos de criminosos da área da droga.

Onde está o memorando entregue ao ministério?

Fontes da investigação desconhecem que tenha havido uma escuta de uma conversa entre o líder da investigação da PJ Militar a um dos companheiros de equipa, falando de um eventual conhecimento e "cobertura" do ministro da Defesa. Até aos interrogatórios, o MP desconhecia qualquer presumível envolvimento a este nível - e consideravam até que os arguidos tinham enganado a tutela. A versão dos militares apareceu quando eles foram confrontados pelo juiz sobre os acontecimentos - depois de terem sido detidos.

Segundo a versão dada em tribunal, a conversa e a suposta entrega do memorando no Ministério da Defesa teriam acontecido numa altura em que os militares da PJM começaram a sentir o cerco da PJ. Segundo terá explicado Brazão, sentiram necessidade de justificar a "encenação" e conseguir apoio ao mais alto nível. Nesta estratégia terão integrado também jornalistas - há transcrições de escutas no processo - para passar a mensagem da PJM sobre o "achamento".

O que disse Vasco Brazão e já foi "categoricamente" desmentido pelo ministro da Defesa - só poderá ser corroborado pelas duas testemunhas que ele afirma terem presenciado o sucedido: o chefe de gabinete de Azeredo Lopes, o general do Exército António Martins Pereira, ou o próprio ex-diretor da PJM, coronel Luís Vieira, cuja defesa, contactada pelo DN, também não quis fazer declarações. Isto porque nas buscas não foi apreendido nenhum memorando - tão-pouco no computador de Brazão.

O início da investigação e a colaboração dos militares com a PJ

No início da investigação de Tancos as coisas estavam a correr mais ou menos bem entre as duas polícias. O processo foi iniciado na Polícia Judiciária Militar pelo capitão João Bengalinha e pelo coronel Manuel Estalagem. Mas em setembro de 2017, o capitão Bengalinha e a restante equipa pediram o afastamento da investigação, tendo Vasco Brazão passado formalmente a liderar a investigação - com os restantes arguidos do processo atual, Roberto Pinto da Costa, José Carlos Costa e Mário Lage Carvalho.

Ao contrário do que já foi dito e repetido, a PJM foi imediatamente informada pela PJ da denúncia de um possível roubo. Nomeadamente terá sido o oficial Pinto da Costa que foi informado de que um indivíduo conhecido como "Fechaduras", informador da polícia, tinha sido contactado para abrir uns paióis em Tancos.

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