Estamos longe de 1975, o ano que um certo musical chamado The Rocky Horror Picture Show lançava uma jovem atriz com uma beleza anti-normas. Chamava-se Susan Sarandon e agora tem 75 anos e está cada vez mais jovem, cada vez mais talentosa. O tempo quase não se esculpe perante o seu rosto. Num terraço da baixa de Toronto apanhamo-la numa tarde de setembro de 2019 para a promoção de Blackbird- A Despedida, comédia dramática em forma de tragédia do senhor Roger Michell, cineasta britânico que filma em forma de confinamento uma matriarca em vésperas da sua eutanásia a despedir-se da família. Tema pesado, sim, mas filmado com uma alegria transbordante e no qual Susan é de uma contenção sempre lúdica. É uma interpretação para ir para a coleção das suas obras-primas, talvez bem perto daquilo que fez em Thelma & Louise (1991), em Dead Man Walking- A Última Caminhada (1995) ou Jogo a Três Mãos (1988), nunca a resvalar para o maniqueísmo sentimental. Nesta mulher à porta da morte por recusar perder a dignidade perante uma doença fatal e degenerativa temos as suas marcas registadas: uma verticalidade inabalável, um olhar que diz tudo e uma presença magnetizante, isto sem "abocanhar" todo um elenco fortíssimo em que se destacam Kate Winslet, Sam Neill e Mia Wasikowska..A sua mãe coragem do filme tem pontos de semelhança com aquilo que transmite neste encontro com a imprensa no Festival de Toronto 2019. Numa altura em que as estrelas de cinema ainda apertavam a mão (com firmeza, já agora) aos jornalistas, mal sabe que sou português diz estar a tentar ir a um festival português: "O problema são as datas. Deixe lá ver se vou estar disponível...". Não esteve, pelo menos até hoje. E nesta altura de covid não tem medo de dizer que procura alguém para relação, seja mulher ou homem, desde que esteja vacinado. Declarações recentes à revista People que se tornaram falatório na net...."Já estive em comédias onde me diverti muito menos do que nesta rodagem. Foi um sonho o ambiente destas filmagens! Às vezes, o egoísmo de alguém pode estragar tudo, tal como certos comportamentos dos cineastas, sobretudo quando não sabem o que estão ali a fazer... Nessas alturas torna-se complicado sentirmo-nos bem num plateau. Nos meus cinquenta e tal anos desta vida de artista, felizmente, não tenho apanhado muito disso. Quando vamos trabalhar, temos uma cena muito dolorosa pela frente e damos tudo o que temos, é muito bom sentir que todos os outros estão connosco. É nesses momentos que sinto que servi toda a história do filme. Na verdade, é para isso que me chamam. Em Blackbird todos estavam a dar tudo a toda hora, de frente e atrás da câmara... Foi uma colaboração coletiva perfeita, todos a trazer ideias e apreço. Foi tão divertido!", começa por dizer olhos nos olhos. Sente-se que está a falar com o coração, que não precisa de provar nada. São palavras de alguém apaziguada..Esta matriarca consumida pelo flagelo da esclerose lateral amiotrófica deixou a atriz em sentido, por muito que a rodagem tenha sido leve: "Investiguei sobre o que uma pessoa sofre neste estado e fiquei muito triste. É um processo assustador e horroroso! Visitámos uma senhora que estava a combater a doença e fiquei impressionada com a forma como os seus dados era medidos. Depois percebi que as famílias têm de ter acompanhamento psicológico, sobretudo na altura de tomar decisões. Tudo é dolorosamente real e nada abstrato. Fiquei muito feliz por ela estar viva para ver o filme e, na verdade, gostou muito"..YouTubeyoutubeOBDvsfvKXOE.Ao lado de Susan está Roger Michell que ao DN conta que fez questão de não ver Stille Hjerte (2014), de Bille August, o filme que deu origem a este remake: "Se o tivesse visto não teria tido a minha própria imaginação em relação à minha interpretação da história. Se fosse um filme mau, acho que o teria desejado ver - sabia que o original era bom. O importante para mim era não ficar infetado pelo seu imaginário, pelo seu tom. O argumento de ambos os filmes é intencionalmente diferente. Este tem mais piadas". O realizador revela ainda que não tinha pensado em Susan Sarandon de início: "Ela entrou numa fase mais adiantada da produção. Este filme foi pensado para uma outra atriz, não posso é revelar quem". Diana Keaton? Atiramos ao ar: "Ok, conto tudo: a Diane teve um enorme problema com o filme anterior que acabou por se atrasar. Seja como for, adoro-a! Quando percebi que ela estava fora de hipótese pensei que o filme iria ser cancelado! Felizmente, virei-me logo para a Susan. Telefonei-lhe e aceitou de imediato". Susan não tem peneiras nem problemas em salvar filmes como solução de recurso. E que solução....Mas esta não é a primeira vez que faz de doente, de alguém que está condenada. Foi em Lado a Lado, filme de Chris Columbus, em 1998, melodrama que era sobretudo um veículo para Julia Roberts: "esse filme foi produzido por mim e grande parte do argumento acabou por ser da minha responsabilidade, mas esse era essencialmente um conto sobre como podemos abrir o nosso coração para deixar alguém entrar para cuidar dos nossos filhos. O público respondeu a esse filme de forma muito forte"..Ao fim dos tais "cinquenta e tal anos disto", Susan Sarandon deve ter uma ou outra certeza sobre representar. Talvez por isso não tenha medo de dizer um cliché: "O mais importante para um ator é saber ouvir". Lembro-lhe um momento em que a observei no Festival Deauville a receber um prémio de carreira. Parecia serena, à vontade. "Mas não gosto desses prémios... Parece sempre que são prémios a meio de qualquer coisa. Não levo muito a sério isso dos prémios, não é que não os respeite mas fica a impressão que ao premiarem-me é porque já deram a toda a gente esses prémios e agora só sobro eu! Tipo vamos homenageá-la só para a ter no nosso festival e ainda aparece num dos nossos jantares... Prefiro homenagens feitas pelos meus pares. Mas em Stijes foi ótima a homenagem, mostraram o Rocky Horror Picture Show e foi fabuloso. Até deu para conhecer o Guillermo Del Toro! Por outro lado, os festivais têm de ser ajudados e servem sempre para conhecer pessoas. Se não fores um alcoólico e um chato de todo o tamanho é inevitável um dia seres homenageado...", diz com um sorriso que contagia..dnot@dn.pt