Sociólogo acusado de instrumentalizar revista científica para defender tauromaquia demite-se
A demissão de Luís Capucha, que terá sido aceite esta sexta-feira, ocorre na sequência de um pedido da direção da Associação Portuguesa de Sociologia ao respetivo Conselho Deontológico para que aprecie a atuação do sociólogo. Em causa está uma noticia do DN sobre a conduta de Luís Capucha, professor de Sociologia no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa e diretor da revista Sociologia, Problemas e Práticas, e a suspeita de que as normas de verificação científica da revista terão sido violadas aquando da publicação, a 15 de novembro, de uma série de artigos online, incluindo um do diretor a defender a tauromaquia - artigo esse que Luís Capucha invocou em dois debates televisivos, a 16 e 19 de novembro, como "sendo um artigo científico, publicado numa revista científica", sem revelar ser seu autor nem o diretor da revista em causa.
O referido artigo visa comprovar, através da correlação entre "um índice de atividade tauromáquica" de cada concelho, a respetiva taxa de criminalidade e o índice de desenvolvimento, não haver qualquer consequência negativa para crianças da assistência a touradas.
Reputado por sociólogos consultados pelo DN como "sem pés nem cabeça" e mesmo como "uma impostura e uma fraude científica", não foi porém este artigo a suscitar o pedido de parecer da direção da APS ao Conselho Deontológico, mesmo se esta, no texto do pedido, faz "uma recomendação geral: a de que, no argumentário público, I) não se desqualifiquem interlocutores; ii) não se invoque uma autoridade científica soberana em nome da sociologia e a partir de estudos parcelares e provisórios elaborados por quem toma uma posição."
De acordo com o presidente da APS, João Teixeira Lopes (que é também dirigente do BE), em relevo na questão deontológica a analisar pelo CD está "a acumulação na mesma pessoa da situação de autor e diretor", "tendo em vista as dúvidas em relação à existência da revisão científica prévia dos artigos, assim como a forma híbrida como foram publicados, com marcas de revisão ortográfica, mostrando que não estavam prontos."
Nesse sentido, lê-se no pedido ao CD: "Entende a direção que a notícia em causa [referência ao artigo do DN publicado no último sábado] levanta questões sobre eventuais incompatibilidades éticas e deontológicas entre o autor da tomada de posição e o seu lugar como diretor de uma revista científica, uma vez que um artigo da sua autoria teria sido publicado sem a observância das normas da publicação na revista que dirige. Assim, solicitamos ao Conselho de Deontologia um parecer sobre este ponto."
A revista Sociologia, Problemas e Práticas é editada pelo Centro de Estudos e Investigação em Sociologia (CIES) do ISCTE, que esta terça-feira tinha feito um comunicado assumindo que a publicação dos artigos online, nos termos em que fora feita, constituía um erro "prontamente assumido e corrigido", reiterando de resto as explicações que Luís Capucha dera ao DN, e certificando que "todos os artigos são previamente avaliados entre pares de acordo com as regras estabelecidas (double blind review). A publicação apenas ocorre após a conclusão de todo o processo de revisão, de acordo com as normas constantes nas informações publicamente prestadas sobre as regras de submissão de artigos, as quais acompanham as melhores práticas científicas." No comunicado, o CIES não esclarecia qual a natureza do erro que assumia ter sido cometido, nem o essencial da polémica: os artigos publicados, ou pelo menos parte deles, foram-no sem revisão científica prévia, como parece claro, e se assim foi, porquê?
Agora, o CIES comunicou a demissão de Luís Capucha e a indicação de um novo diretor: "Tendo o diretor da revista Sociologia Problemas e Práticas, Professor Doutor Luís Capucha, colocado o seu lugar à disposição, venho por este meio informar que a direção do CIES aceitou o seu pedido e nomeou como diretor da revista o Professor Doutor António Firmino da Costa."
Outras questões suscitadas pelo artigo do DN ficam em aberto. Nomeadamente o facto de a Luís Capucha, que como presidente da Associação das Tertúlias Tauromáquicas Portuguesas dirigiu a campanha para a aprovação, no Orçamento Participativo, de um projeto de candidatura da tauromaquia a património imaterial de Portugal, ter sido entregue, pelo CIES, a coordenação científica do projeto resultante, comissionado pelas Direção Geral das Atividades Culturais.