Snobismo em tempos de pandemia
Uma comédia de costumes para estes tempos de covid... Um homem em contraponto com as suas relações com diversas mulheres, sempre com distância, sempre à distância. Higiene Social é um filme em quadros, a câmara raramente se mexe: as personagens estão estáticas num bosque do Quebeque, estáticas e em "delírio" teatral. Antonin é esse homem, um ladrão de boas famílias que se julga cineasta mas que não gosta de trabalhar. Está casado mas quer ter um romance com Cassiopée, musa que se veste com corpete do século XVIII. O mesmo Antonin que está a contas com dívidas ao fisco, de tal forma que é abordado por Rose, uma inspetora dos impostos que evoca Angela Merkel. Por outro lado, uma das suas vítimas de furto, Aurore, torna-se sua atração, neste caso uma jovem que o confronta com a sua soberba machista. No meio deste confronto com a sombra feminina, este pobre romântico tem ainda de se confrontar com a irmã, uma mulher desencantada que o acusa de uma vida de "dandy" e de D. Juan falhado.
Premiado no Festival de Berlim 2021 (venceu ex-aequo com The Girl and The Spider o prémio de melhor realização da secção Encontros), Higiene Social é a nova provocação de um dos mais internacionais cineastas do Canadá, Denis Côté, que em Portugal chegou a criar algum culto com o intrigante Vic + Flo Viram um Urso, estávamos em 2013. Provocação por acreditar que uma pose de mistura de Ibsen e Chekhov em cinema ainda pode ser um "discurso", um statement, sobretudo quando em cada quadro há uma rigidez de métodos: planos com imagem parcial desfocada e duração infinita. Provocação também por acreditar que diálogos com floreados maneiristas podem ser património recreativo de uma outra sub-provocação: aquela que reencena os limites dos constrangimentos cinéfilos - Antonin diz que quer ver cinema na primeira fila para ver o filme primeiro que todos... Sim, Côté perde-se neste tipo de pequenas diabruras tão fúteis como presunçosas.
Higiene Social pode ter monumentais defeitos, mas há algo que conta: o seu snobismo é assumido e a música dos Lebanon Hanover é metida que nem ginjas...
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