Aos 32 anos, Silva é unanimemente considerado um dos maiores nomes da nova MPB e está agora de regresso com um álbum não planeado, mas que tem tudo para se tornar uma referência na discografia do artista nascido na cidade de Vitória. Como o próprio explica nesta entrevista ao DN, os planos, no início do ano, eram outros e passavam por continuar na estrada com a digressão de Brasileiro, o disco lançado no verão de 2018, que deveria ser estendida à Europa, onde terminaria com dois concertos em Portugal. Como aconteceu com quase todos, a pandemia, porém, obrigou-o a ficar em casa, onde "a bem da sanidade mental", começou a trabalhar num novo disco, composto, como habitualmente, em parceira com o irmão Lucas, mas tocado, produzido e misturado em casa pelo próprio Silva. O resultado desse processo de "aprendizagem" foi dado a conhecer neste mês, chama-se Cinco e é um dos mais variados e completos trabalhos de Silva, pelo modo como mistura soul, ska, bossa nova, jazz ou samba, sem nunca perder o norte à MPB que ao longo da última década ajudou a recriar..Podemos dizer que este álbum é um resultado da pandemia? De certa forma, sim, porque os meus planos, no início do ano eram completamente diferentes, até para um próximo álbum. Havia muita coisa para acontecer, inclusivamente uma tournée europeia que deveria acabar em Portugal, com concertos em Lisboa e no Porto, mas infelizmente fomos apanhados por algo completamente novo para todos, que nos obrigou a ter de aprender a lidar com a solidão como nunca antes tínhamos feito..Reformulando a questão, podemos então dizer que Cinco é a consequência dessa solidão? Sim, é um álbum bem só, mesmo, em que tive de tocar quase tudo, fazer as mistura e a produção em casa, de forma completamente analógica. Foi toda uma aprendizagem, mas que acabou por se tornar muito importante para manter a sanidade mental durante todo esse período. Hoje posso mesmo afirmar que fui um privilegiado, por ter conseguido fazer este disco desta forma. E se calhar é também por isso que é tão variado musicalmente..Apesar de uma certa melancolia que se pressente ao longo de todo o disco... Sempre gostei muito de uma boa fossa [risos], desse lado mais melancólico das letras, apesar de depois o acompanhamento musical nem sempre o ser. Algumas destas canções foram feitas antes da pandemia, mas de facto é um álbum de ressaca pós-carnavalesca elevada à máxima potência..Foi por isso que contou com alguns convidados, como Anitta, Criolo e João Donato, para conseguir dar uma maior variedade ao álbum? Sim, é algo que gosto de fazer, essa partilha musical, embora neste ano essa logística dos convidados tenha sido um pouco mais complicada. A Anitta é já uma repetição, pois já tínhamos trabalhado ante, e o Crioulo era um flirt antigo. Conhecemo-nos na Bahia, no ano passado, e logo aí falámos em fazer algo juntos. Enviei-lhe a música e quando ele a mandou de volta, disse-me que tinha tomado a liberdade de escrever toda uma segunda parte. Foi um ato muito generoso da parte dele, que deu uma virada total na canção. Já a presença do João Donato foi talvez o melhor presente que alguma vez recebi na minha vida de músico. A sua obra tem um valor imenso e intemporal, é alguém que, para mim, está num altar. Não só tocou, como compôs a introdução da música e ainda chamou o Paulinho Braga, que é outra lenda, para o acompanhar à bateria. O que é que eu posso pedir mais?.Os seus primeiros discos eram muito centrados numa certa sonoridade mais indie-pop, mas que aos poucos foi sendo diluída na grande mistura de estilos e influências que é hoje e cada vez mais a sua música. Busco muito isso, enquanto artista, essa encruzilhada musical, mas quando editei o meu primeiro disco tinha apenas 22 anos e queria mostrar a toda a gente que estava ligado com o que de mais moderno se fazia no mundo [risos]. O problema é isso não nos garante uma carreira longa, muito pelo contrário, e a dada altura, à medida que também fui amadurecendo enquanto músico, comecei a procurar atingir algo mais perene. Se gosto de reggae e de ska, de soul ou de R&B, porque não incorporar isso na minhas canções? E é aí que me encontro hoje, nesse ponto em que apenas faço aquilo que gosto..Do que é que sentiu mais falta durante o confinamento? De ensaiar, de tocar com a banda, de aprendermos todos juntos novas músicas, que é sempre um momento mágico. E do público, claro. Fiz algumas lives na internet e devo continuar a fazer, porque no Brasil a questão das vacinas ainda está muito nublosa e este problema ainda se deverá manter durante mais algum tempo, mas não é a mesma coisa que tocar ao vivo. Os emojis ainda não conseguem substituir as palmas..É sabido que tem uma ligação especial a Lisboa. Que recordações tem da cidade? É uma cidade que eu amo verdadeiramente e nem sei bem porquê... Ou melhor, sei, porque foi uma cidade que sempre me acolheu muito bem, mesmo no início da minha carreira. O meu primeiro show em Portugal foi na Estação do Rossio, ainda era muito tímido na altura e fiquei muito surpreendido quando as pessoas começaram a cantar as minhas canções. O meu segundo álbum foi terminado aí e foi muito influenciado por Lisboa, pela ligação da cidade ao mar, pelos recantos e pelas paisagens. Gosto de tudo em Lisboa, dos muitos e bons amigos que aí tenho, da cena musical, há sempre algo a acontecer todos os dias. E da comida, claro, sempre que aí vou volto sempre com uns quilos a mais. Não sou muito de luxos, até acho isso assim meio cafona, mas gosto muito do básico em bom e é isso que Lisboa representa para mim.