Por maiores que se revelem as diferenças, estéticas e de geração, entre tantos cantores e grupos, há uma "linha" que une Frank Sinatra a Jimi Hendrix, os Três Tenores (José Carreras, Placido Domingo e Luciano Pavarotti) a uma versão "camuflada" dos AC/DC - Riff Raff, nome de ocasião -, Mahalia Jackson a Demi Lovato, Aretha Franklin aos Low, a soprano Kathleen Battle aos Boyz II Men, Nick Lowe a Mariah Carey, Julie Andrews e os Sixpence None The Richer, Al Green e a menina-prodígio Jackie Evancho, William Shatner (esse mesmo, o comandante James T. Kirk de Star Trek) e Iggy Pop, em dueto, a Miley Cyrus: todos eles assinaram versões de Silent Night, séria candidata ao título de mais popular, e mais perene, cântico de Natal. Convirá notar que nem sequer saímos de uma constelação de estrelas do universo anglo-americano, sabendo-se que a canção foi traduzida para mais de 45 línguas e dialetos, cimentando assim uma dimensão universal e ganhando estatuto de "eterna"..Ora esta opção pelo Inglês prende-se apenas com a acessibilidade na difusão, uma vez que a versão original do tema se chama Stille Nacht, Heilige Nacht e tem origem na Áustria, mais propriamente na pequena cidade de Obendorf, perto de Salzburgo. O autor da melodia, que já conheceu versões mais alegres e mais tristes, mais lentas e mais rápidas, foi Franz Xaver Gruber (1786-1863), professor primário e organista na igreja local. A letra original devemo-la a Joseph Mohr (1792-1848), sacerdote católico apostólico romano e escritor. Foi tocada e cantada pela primeira vez na consoada de 1818, o que significa que, dentro de dias, cumprirá 200 anos redondinhos sobre a primeira vez que foi ouvida. Segundo os dados históricos disponíveis, Mohr já tinha os versos escritos dois anos antes, entregando-os a Gruber depois de se fixar na paróquia de São Nicolau - mais natalício seria difícil... - e pedindo ao mestre-escola uma melodia e um acompanhamento de guitarra e flauta. Stille Nacht acabou por seguir o seu caminho, com a ajuda de Karl Mauracher, um artífice construtor de órgãos, que se apaixonou pelo cântico e, por sua vez, a passou para as mãos e para as vozes de duas famílias de cantores itinerantes, os Rainers e os Strassers. Coube aos primeiros "apresentá-la" num recital em que estavam presentes nada menos do que dois imperadores, Francisco da Áustria e Alexandre da Rússia. Foram ainda os Rainers quem primeiro apresentou o tema em solo norte-americano, num concerto nova-iorquino, em 1839..O selo de Bing Crosby.Mesmo com modificações estruturais, facilitadas por se ter extraviado a partitura original, o cântico continua a rivalizar, no papel de mais conhecido e amado cântico alusivo à época, com outras criações desse género tão particular, casos de Jingle Bells, O'Holy Night, Little Drummer Boy ou Santa Claus Is Coming to Town. Se outros idiomas não se preocuparam sequer em traduzir o título à letra - em França chama-se Douce Nuit, por cá a "doutrina" divide-se entre Noite Feliz ou Noite de Paz -, o inglês optou por manter o "silêncio". Depois, foi só deixar funcionar o poderio imenso do mercado norte-americano: a versão de Silent Night protagonizada por Bing Crosby (1903-1977) e lançada em 1935 ocupa ainda um orgulhoso terceiro lugar na lista de singles mais vendidos de sempre, com um total arredondado de 30 milhões de cópias. Surge imediatamente após a "variante" de 1997 de Candle in the Wind, adaptada pelo autor, Elton John, para servir de tributo à princesa Diana. Vendeu 33 milhões de exemplares. No topo da lista, com uns impressionantes 50 milhões, reencontramos o histórico crooner Bing Crosby e, sem que possa falar-se em coincidência, reencontramos também um cântico de Natal. No caso, White Christmas, de um dos mestres da canção norte-americana, Irving Berlin, editada em 1942..Para se perceber a importância que Silent Night - esta a que nos referimos, a não confundir como uma homónima rubricada pelo grupo Bon Jovi - foi conquistando, convirá acrescentar que foi gravada por diferentes intérpretes mais de 750 vezes nos últimos 40 anos e que foi declarada Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO, em 2011. Sem ousar uma escolha definitiva, faz sentido uma recomendação: quem gostar deste tema não deverá deixar de ouvir - e o YouTube também serve para isso - uma das mais arrepiantes, singelas e contagiantes abordagens à canção, que convoca uma voz tão improvável como esmagadora: a da irlandesa Sinéad O'Connor, nem mais nem menos.