O que é que pode relacionar uma mulher na Somália com uma aldeia no Sudeste Asiático, um bivalve do Mediterrâneo com os recifes de coral na Austrália? Duas palavras: alterações climáticas. De uma forma ou de outra, todos os seres vivos, nos quatro cantos do globo, sentem os efeitos das mudanças climáticas. Ao longo das últimas duas semanas, em paralelo com a Conferência do Clima em Madrid, foram vários os estudos de diferentes origens que vieram mostrar isso mesmo..Ano a ano a bater recordes de aquecimento global.Quem o diz é a Organização Meteorológica Mundial (OMM) no seu relatório anual, conhecido a 25 de novembro: a concentração de gases de efeito estufa atingiu um novo recorde em 2018..De acordo com o relatório deste organismo das Nações Unidas, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera atingiu o recorde de 408.7 partes por milhão no ano passado - mais 0,56% do que no ano anterior e mais 146% em relação à época pré-industrial (1750). António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, fez referência a estes números na abertura da COP, falando num valor "inimaginável"..Também o metano - outro gás que produz efeito estufa - bateu máximos históricos de concentração na atmosfera, atingindo 259% dos níveis da era pré-industrial.."As gerações futuras terão de enfrentar consequências cada vez mais graves das alterações climáticas", advertiu o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, sublinhando que concentrações a este nível só aconteceram há cerca de três milhões de anos, quando "a temperatura era dois a três graus mais alta e o nível do mar era dez a 20 metros superior ao atual"..A diferença entre o que está a ser feito e o que é preciso fazer.Um dia depois foram conhecidas as conclusões do Relatório sobre a Lacuna de Emissões de 2019, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), um documento que visa apurar a diferença entre o que é preciso fazer para travar o aquecimento global e aquilo que está realmente a ser feito. Ou seja, compara os níveis de emissões de gases estufa projetados com os necessários para que a temperatura não suba mais do que 1,5 graus..As conclusões não são animadoras. Com aquilo que está previsto neste momento é expectável um aumento da temperatura de 3,2 graus acima dos níveis pré-industriais - um cenário de efeitos devastadores. Para que isso não suceda, e para que o aquecimento global possa ser limitado a 1,5 ºC, é preciso que a emissão de gases com efeito estufa seja reduzida em 7,6% ao ano durante a próxima década. Nos últimos dez anos, esta taxa tem estado a aumentar 1,5% ao ano..E é preciso começar já. "Precisamos de vitórias rápidas para reduzir as emissões ao máximo possível em 2020, além de contribuições nacionalmente determinadas mais fortes para iniciar as principais transformações em economias e sociedades. Precisamos de compensar os anos em que procrastinámos", afirmou, em comunicado, Inger Andersen, diretora executiva do PNUMA. "Se não fizermos isso, a meta de 1,5 ºC estará fora de alcance antes de 2030.".Em 2018 foram produzidas 55,7 gigatoneladas de dióxido de carbono no mundo.Os 20 países mais ricos (G20) são responsáveis por mais de três quartos de todas as emissões produzidas (78%)..As indústrias mais poluentes da União Europeia.Oito centrais a carvão, uma companhia aérea e uma transportadora marítima. Esta é a lista dos maiores poluentes do espaço da União Europeia, divulgada já nesta semana pela Federação Europeia para o Transporte e Ambiente (T&E). A companhia aérea Ryanair, que ocupa a décima posição, já estava na lista desde o passado mês de abril. Já a empresa de transporte marítimo Mediterranean Shipping Company (MSC), que detém navios de carga que se dedicam ao transporte de alimentos, material eletrónico ou brinquedos, teve agora entrada direta para a oitava posição..De acordo com a organização ambientalista, a MSC foi "responsável por 11 milhões de toneladas de emissões de CO₂ em 2018". No total, os navios que entram e saem da Europa "emitiram mais de 139 milhões de toneladas de CO₂ " no ano passado..A associação ambientalista portuguesa Zero integra a Federação Europeia para os Transportes e Ambiente e aproveitou a "boleia" para chamar a atenção para a situação em Portugal, sublinhando que os "navios de mercadorias que chegam e partem de Portugal emitem mais dióxido de carbono para a atmosfera do que as emissões associadas ao tráfego rodoviário das oito cidades portuguesas com maior número de automóveis registados"..A Zero destaca ainda que, de acordo com os dados divulgados pela federação, Portugal é o "quinto país com maior percentagem de emissões de dióxido de carbono associadas ao transporte marítimo de combustíveis fósseis (25%), com particular destaque para o transporte de petróleo, seguido de gás natural e de carvão"..O transporte marítimo não integra o regime europeu de comércio de licenças de emissão de CO₂ ..Outro ponto que tem estado na mira das associações ambientalistas é que o setor marítimo está isento, pela legislação da União Europeia, de impostos sobre o combustível que consome, o que, de acordo com um relatório anterior da T&E, representa uma subsidiação de 24 mil milhões de euros/ano..Índice de Desempenho das Alterações Climáticas. O tombo de Portugal.A COP25 foi também o palco para a apresentação dos resultados do Índice de Desempenho das Alterações Climáticas, que não trouxe boas notícias para Portugal - o país caiu oito posições e surge agora em 25.º lugar, o pior desempenho de sempre neste ranking.."A performance do país caiu em quase todas as categorias, com exceção das políticas climáticas", refere o relatório, sublinhando o aumento na emissão de gases com efeito estufa entre os anos de 2012 e 2017, o que coloca o país com uma classificação "muito baixa" nesta categoria..O próprio relatório avança algumas explicações, referindo que o fim da crise económica se traduziu num aumento do consumo de energia e das emissões, que o país foi atingido em 2017 por fogos severos e que a seca prolongada levou a que as barragens tivessem menos capacidade de produção de energia, levando a um maior recurso às centrais a carvão..No índice deste ano, os três primeiros lugares - que corresponderiam a uma performance "muito alta" - surgem em branco: ninguém chega a esta qualificação. O país mais bem classificado é a Suécia, seguido de Dinamarca, Marrocos, Reino Unido, Lituânia, Índia e Finlândia. A União Europeia, no conjunto dos 28 Estados membros, surge em 22.º lugar, ligeiramente acima de Portugal..No final da tabela, o país com o pior desempenho é os Estados Unidos, antecedido pela Arábia Saudita, China, Coreia, Irão, Austrália e Canadá..20 milhões de deslocados pelas alterações climáticas.As alterações climáticas já são a principal causa de deslocação no mundo, tendo forçado a saída da sua casa de uma média de 20 milhões de pessoas ao ano (movimentos internos, dentro de fronteiras). Os dados são da Oxfam, que, no início do mês, coincidindo com o início da Cimeira do Clima, apresentou um relatório intitulado "Obrigados a deixar as suas casas"..De acordo com a organização não governamental, é três vezes mais provável que alguém seja forçado a deixar a sua casa por ciclones, inundações ou incêndios florestais do que por conflitos, e sete vezes mais provável do que por tremores de terra ou erupções vulcânicas. Para dar uma ideia dessa diferença, a Oxfam sublinha que os referidos 20 milhões de deslocados representam 87% de todas as pessoas que tiveram de se mudar, no seu país, devido a desastres..Os mais expostos ao risco são os cidadãos dos países pobres, precisamente os que "menos contribuíram para a poluição". De acordo com a Oxfam, 80% dos deslocados da última década vivem no continente asiático - que alberga um terço das pessoas mais pobres em todo o mundo. A população de países como a Índia ou, noutros continentes, a Bolívia ou a Nigéria, tem quatro vezes mais probabilidades de ter de vir a deslocar-se de suas casas do que quem vive em países ricos..Acresce que sete dos dez países mais suscetíveis a deslocações internas em consequência de fenómenos meteorológicos extremos são pequenos Estados insulares..O relatório da Oxfam também conclui que este cenário representa um maior risco para as mulheres, em muitos aspetos. Mesmo a reconstruir a vida encontram maiores dificuldades - por exemplo, têm menos acesso a crédito - e são muitas vezes elas que ficam para trás, como cuidadoras das crianças e dos mais velhos, enquanto os membros masculinos das famílias vão procurar sustento noutros lugares. "Isto põe um enorme fardo sobre as mulheres, que muitas vezes são o principal cuidador da família", mas também quem tem de pôr a comida na mesa. A crise climática também torna mais difícil o acesso à água - o relatório da Oxfam fala em mulheres que têm de se deslocar até dez quilómetros para arranjar água potável e lenha. .Espécies ameaçadas. Há mais 1840 na lista.Há dois dias, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) apresentou a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas. E há mais 1840 entradas na lista, que reúne agora um total de 30 178 espécies..Em perigo crítico de extinção está, por exemplo, o funil-escamudo, o maior molusco bivalve do mar Mediterrâneo, atacado por um parasita que está a provocar a morte massiva desta espécie. Os especialistas acreditam que um dos fatores que estão a contribuir para o sucesso do parasita e a alta mortalidade do molusco é o aquecimento das águas..Até o coelho-europeu passou de "quase ameaçado" a "em perigo", com um novo surto da doença hemorrágica viral a causar um declínio da população que chegará aos 70%. A UICN sublinha ainda que esta é uma espécie-chave do seu ecossistema, dado que é uma "presa essencial" para o lince-ibérico (outra espécie em perigo) e para a águia-imperial-ibérica (classificada como vulnerável).."As alterações climáticas juntam-se a múltiplas ameaças que as espécies enfrentam e devemos agir rapidamente e de forma decisiva para conter a crise", advertiu Grethel Aguilar, diretora-geral da UICN, citada num comunicado da organização, pedindo uma "ação rápida" para travar estas ameaças..Ameaça sobre os oceanos põe em risco pescas e turismo.As alterações climáticas ameaçam devastar as pescas regionais e praticamente acabar com o turismo associado a áreas de recife. De acordo com um estudo encomendado pelo Painel de Alto Nível para a Economia do Mar Sustentável - um grupo que junta 14 países e que promove ações para a proteção de oceanos e produção de políticas de governação e de finanças -, em alguns países da África Ocidental os stocks de pesca podem diminuir em 85% em resultado das alterações climáticas. Já as áreas de recifes de coral podem vir a perder mais de 90% das receitas no turismo..Portugal, Austrália, Canadá, Chile, Fiji, Gana, Indonésia, Jamaica, Japão, Quénia, México, Namíbia, Noruega e Palau são os países que integram este Painel de Alto Nível para a Economia do Mar Sustentável. .O estudo em causa avalia os impactos climáticos globais e locais em três das maiores fontes de rendimento e emprego marítimos - o turismo em áreas de recife de coral, as pescas e a maricultura.."Só agora começamos a compreender o pleno impacto que o atual nível do aquecimento global irá desencadear nas nossas indústrias de base marítima", sublinhou Steve Gaines, um dos autores do trabalho, que reuniu investigadores e analistas de todo o mundo. Gaines traçou um cenário negro se nada for feito: "Para evitar a crise económica iminente, a devastação alargada das comunidades, fome e os conflitos por recursos nas próximas décadas, devemos restaurar com urgência a saúde dos oceanos.".Este estudo baseou-se nas estimativas do Painel Intergovernamental para as Ações Climáticas sobre o declínio da saúde dos oceanos induzida pelo clima, que vai custar à economia global entre 428 mil milhões de dólares em 2050 e 1,979 mil milhões de milhões de dólares em 2100.