Mapeia-se o Indie e encontram-se nomes que importa seguir. Atrás e à frente da câmara. Numa edição toda ela pensada e programada antes do vírus, 2020 é o ano em que, mais do que nunca, o risco tomou conta das escolhas. Cinema exploratório capaz de nos falar de um mundo em crise mas que aproxima o certame de Lisboa à marca do real do DocLisboa, quase como um despique. É um festival com sangue revolto e jovem e que aposta nas esperanças, mesmo quando há consagrados no programa..De Portugal chegam algumas estreias mundiais, algumas delas com lugar nos maiores festivais do mundo. Se está mais nicho? À primeira vista, parece que sim, mas o IndieLisboa sempre viveu e promoveu a descoberta. Deixamos seis protagonistas que nos apontam propostas de cinema para encher as salas na medida do possível: o Ideal, São Jorge, Capitólio, Culturgest e Cinemateca terão lotação a metade. Acima de tudo, ao contrário de outros festivais que trocaram as salas pelos ecrãs virtuais e drive-in, este mantém a crença de que um festival só faz sentido em sala....Catarina Vasconcelos, realizadora de A Metamorfose dos Pássaros - no dia 1, 21.45 - Culturgest..Seguramente, o filme mais esperado da competição nacional. Não só porque chegou da Berlinale com o prémio da crítica na secção Encontros como também porque desde fevereiro foi ganhando uma aclamação internacional em outros festivais..Documentário experimental sobre os mistérios das famílias e as transcendências que levamos do luto, A Metamorfose dos Pássaros coloca com arromba Catarina Vasconcelos no palanque das grandes esperanças do cinema português. A realizadora filma e reinventa histórias da sua família. Narra, baralha e documenta algo muito próximo de uma intimidade-limite. São imagens cristalinas rasgadas com uma fluência que talvez venha da literatura. Do mar à montanha, passando pela floresta, é um filme de uma liberdade artística que desconcerta. Claro que pode vencer esta competição....Gabriel Abrantes, convidado do aniversário da Agência da Curta Metragem para uma Carta-Branca, no dia 1, 19.15 - Culturgest, e produtor de O Cordeiro de Deus, de David Pinheiro Vicente, no dia 28, 21.45 - São Jorge; no dia 1, Culturgest e no dia 3, 21.30 - São Jorge..É um habitué do IndieLisboa e, neste ano, o realizador português está em destaque novamente. Primeiro, está a competir como produtor. A sua Artificial Humours produziu a curta O Cordeiro de Deus, de David Pinheiro Vicente. Depois, escolheu como Carta-Branca uma sessão com curtas portuguesas. Quanto ao filme de David Pinheiro Vicente, é o que se chama a difícil segunda obra, depois da glória no Curtas Vila do Conde com Onde o Verão Vai: Episódios da Juventude, o realizador açoriano filma um conto de sacrifício. Tem uma singularidade pícara mas falta a energia da primeira obra. Seja como for, é bastante recomendável e dele esperam-se coisas muito entusiasmantes..Gabriel Abrantes na Carta-Branca quis vincar um gosto pelo desalinhamento. Escolheu o Urso de Ouro Balada de Um Batráquio, de Leonor Teles, a comédia Cânticos das Criaturas, de Miguel Gomes, e o sensualíssimo Coelho Mau, de Carlos Conceição. Pelo meio, em jeito de brincadeira travessa, sketchs feitos para a net de Bruno Aleixo (realizados por João Moreira), Os Conselhos Que Vos Deixo. Sessão que se advinha histórica....Basil da Cunha, realizador de O Fim do Mundo, no dia 29, 18.30 - São Jorge, e no dia 2, 18.45 - São Jorge..O cineasta luso-suíço que em Portugal se apaixonou pela Reboleira é um dos grandes favoritos na competição nacional com a sua nova longa, O Fim do Mundo, obra que no verão passado fez estragos no Festival de Locarno. Este fim do mundo é um filme de gangsters no coração de um bairro degradado na Reboleira. A história do regresso de um jovem às ruas que o viram crescer depois de uma detenção de anos num centro reformatório..Basil da Cunha filma com o instinto à flor da pele e é honesto na maneira como está perto de uma comunidade de jovens excluídos do Portugal que não quer misturas. Tal como no anterior Até Ver a Luz, sente-se uma segurança de estilo e uma invejável habilidade em filmar tensões e rostos. Forte, muito forte....Catarina Mourão, realizadora de Ana e Maurizio, no dia 27, 19.00 - Culturgest, e no dia 30, 22.00 - Ideal..Nome incontornável do cinema documental em Portugal, Catarina Mourão chega à competição do Indie com aquele que pode ser o seu melhor filme. Ana e Maurizio é uma das pérolas da seleção nacional, um autêntico chamamento místico que aborda a maneira como a artista Ana Marchand se relacionou espiritualmente com um tio italiano que foi um viajante especial no começo do século passado. Mourão segue Ana nessa exploração de identidades e coincidências numa viagem que vai de Portugal a Itália com paragens budistas na Índia e na Espanha..Um documentário de uma beleza plástica suprema e no qual Ana Marchand consegue o maior malabarismo: expor uma dor íntima com a maior das serenidades. Não falta um twist final, uma sensação de doc de aventuras e, cereja no topo do bolo, elogio franco aos prazeres do palimpsesto. Ana e Maurizio capta qualquer coisa de sagrado. E sagrado aqui sugere a sublimidade da reencarnação....Raffey Cassidy, atriz de The Other Lamb, no dia 30, 21.00 - Capitólio..Pode estar aqui o rosto mais perturbante do festival. Ironia das ironias, encontramo-lo num filme algo falhado, The Other Lamb, de Malgorzata Szumowska, escolhido para a secção Boca do Inferno. Chama-se Raffey Cassidy e tem uma dor e beleza que não são deste mundo. Ainda assim, não salva um filme convencido e perdido num jogo de simbolismos simplistas..Porém, quem for a esta sessão poderá ficar conquistado pelo poder de sedução de um olhar feroz. E Raffey, além daqueles olhos, encerra em si um mistério que não se desvenda. Já era assim no anterior Vox Lux, de Brady Corbet, e também em O Sacrifício de Um Cervo Sagrado, de Yorgos Lanthimos. O cinema americano já notou esta atriz inglesa que é uma pena não vir ao Indie....Felipe Bragança - realizador de Um Animal Amarelo, no dia 5, 21.30 - Culturgest..Felipe Bragança, agora com residência em Portugal, é por estes dias um dos pontas-de-lança do novo cinema brasileiro, estando também presente como argumentista numa série de filmes. Esta coprodução com Portugal, Um Animal Amarelo, tem atrizes nacionais como Catarina Wallenstein e Isabel Zuaa, e é uma fascinante exploração na primeira pessoa das heranças da identidade brasileira..Vai do Brasil do começo do século passado até à Moçambique que exportava escravos, passando ainda por uma Lisboa racista dos nossos dias. Cinema livre e com o dedo afiado nas feridas do colonialismo, é uma espécie de pesadelo ou sonho tropical que se apoia numa história de um cineasta a tentar filmar o mito do seu avô, que sonhava fazer fortuna em África. Obra escrita com um pessimismo tão elegante como exuberante. Trata-se de um cineasta sem amarras...